O caseiro de Iparana

Iparana, Caucaia.
    João não imaginava que viveria de frente para o mar. Era tão diferente de sua terra. Aqui, ele observava água em todo o horizonte (apesar não poder beber, claro). No interior dele não, quando não tinha inverno bom, a seca tomava de conta.
   Só havia água a 40 quilômetros da casa dele. Era uma luta árdua para sustentar a si mesmo, os animais e a plantação. Sem contar com o calor, que era insuportável. Ele não queria mais aquela vida. Então, decidiu vir com a família para a capital.
    Em Fortaleza, não encontrou emprego bom, mas um dia a situação mudou. Por alguma razão ele resolveu pegar o ônibus próximo do forúm. Enquanto esperava o coletivo, ouviu um advogado conversando. Ele citou que estava necessitando de um caseiro. 
    Sua casa de praia em Iparana (na verdade era no Icaraí, um pouco depois), Caucaia, estava quase pronta. Então, João se aproximou e explicou sua situação. E não é que ele conseguiu o emprego! Agora está resolvido o problema da moradia e do emprego, pensou ele.
    A casa era relativamente grande. Possuía alpendre e uma vista excelente para o mar, que ficava logo adiante, a uns 300 metros. A casa ficava num ponto alto da região. Era necessário andar um pouco, descer uma duna e, por fim, chegava na praia. O esforço valia a pena. Quanto a casa, tinha vários cômodos e era muito ventilada. Parecia um sonho.
      E assim foram se passando um, dois, cinco, dez anos. A vida continuava tranquila. O patrão dele raramente aparecia. Apesar de querer descansar, parece que o emprego não lhe dava muitas oportunidades (ou seria ele mesmo?). 
    Quando vinha, era só com a esposa, pois filhos não tinha. Às vezes, trazia algum parente ou amigo próximo. Dessa forma, a impressão era de que a casa era de João. Sim, dele, da esposa e dos dois filhos. O advogado parecia mais uma visita do que o dono do local. Afina, João conhecia a casa e a região melhor do que ele.
       As melhores coisas que João achava daquele local eram a brisa e a vista do mar. Ele amava o vento. Na terra dele, de agosto a dezembro era uma verdadeira tortura. O vento era pouco e, quando vinha, era quente (do que adiantava? só sentia mais calor!). 
     Ali não, era diferente. Dizia para os filhos que o vento leva embora o que é supérfluo, sem importância, instável, e deixava aquilo que era duradouro, eterno. Deveríamos fazer isso também, deixar que o vento levasse nossos rancores e desentendimentos. Olhar para o mar tranquilamente, sem medo, sem grandes ansiedades, era simplesmente algo sem preço.
     Mas, as coisas mudaram. João notou que a praia não estava mais tão longe. A praia, cada vez mais "magra", pequena e cheia de pedras. Quando ocorria ressaca do mar, as águas iam cada vez mais adentro na praia. O que estaria acontecendo? 
    Realmente, devido a construção do porto do Mucuripe, as praias de Fortaleza e Caucaia, destacadamente Icaraí, vinham sofrendo com o avanço do mar. O que seria feito então? Em Fortaleza se construíram espigões e aterraram algumas praias. Mas, onde João morava, até aquela época nada foi feito.

Praia do Icaraí.
       Não havia escolha: eles teriam de sair da casa. Ela estava condenada! João chorou. Aquela casa era mais dele do que de qualquer outra pessoa. Era como se uma parte dele que fosse tragada pelo mar (ou seria pelo homem e sua ganância?). Mas, João tinha família, devia prosseguir. Não havia tempo para melancolia ou desânimo. Não havia como impedir a força do mar.
       Felizmente, com as economias que tinha, conseguiu comprar uma casa relativamente boa e agora possui outro emprego. Ele até conseguiu comprar um carro! Todo mês, pelo menos uma vez, ele vai com a família ou sozinho na praia. 
         Não consegue se esquecer do mar, de olhar para o vai-e-vem das ondas, das crianças correndo despreocupadas pela areia e daquela brisa maravilhosa (não consigo entender como existe pessoas que não gostam de praia!). Mas, é assim mesmo, dizia ele. Quanto àquela região, está começando a ser recuperada. E, claro, João sempre aparece por lá.



Alexandre Valério Ferreira






Comentários

  1. ''Deveríamos fazer isso também, deixar que o vento levasse nossos rancores e desentendimentos''
    Essas palavras podem resumir o que esse excelente texto quer dizer,parabéns !

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    1. É sim! Lembro de uma mensagem sobre amizade. Dizia que os erros de nossos amigos a gente escreve na areia, enquanto que suas qualidades a gente deve escrever na rocha. Achei muito interessante.
      Obrigado!

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  2. Alexandre, parabéns pelo texto!
    Fico indignado cada vez que venho ao Ceará e vejo a cena de destruição causada pelo "avanço do mar" (ou seria pelo homem e sua ganância?) na região citada.
    Parte de minha infância está ali e também está sendo tragada pela revolta da Natureza com o homem.
    Abraços,
    Liberato Jr

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    1. Muito obrigado!
      É verdade,rapaz! Antigamente iamos para uma casa de praia e para o proprio icarai! era maravilhoso, um lugar bonito, agradavel e perto de casa. A casa ficava a uns 300 metros da praia. Ai, em 2007, ela ja estava num abismo, a beira de se desmoronar. É triste. Felizmente, foram realizadas obras com tecnicas de engenharia civil e tem tido resultados.
      Abraços.

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  3. Muito bom...a vida é assim mesmo,cheia de altos e baixos... Mais o que é mais importante não é ficar com rancor de algo,talvez de um amigo. Nesse mundo ruim,nem tudo é pra sempre. Parabéns Alê,vc escreve muito bem ;D Por: Helsa Oliveira

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    1. É SIM! As dificuldades sempre aparecem! não podemos é afundar com elas!
      Obrigado!

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