Janela na Rodovia



Rodovia. Fonte:http://www.uruacu.net/images/stories/BelmBraslia_02-rodovia_Araguana.jpg.
     A cidade era pequena. Tão pequena que nem era cidade, mas sim um distrito. Distrito este quase esquecido, tão esquecido que nem havia nos mapas (só não era esquecido pela receita federal). As ruas eram poucas. A vida era a mesma de sempre. Não havia dias especiais nem feriados. Digo isso não pelo fato deles literalmente não existirem, estavam no calendário, mas a vida era igual, independentemente de que dia fosse.
    As ruas, nomes não tinham. Não era necessário. Nomes de ruas são para servir de orientação. Mas em um local tão pequeno, não havia como se perder (a não ser que você esteja bêbado). Muitos tinham pequenas plantações. Haviam poucos comércios. 
    A região era relativamente quente. Não havia montanhas, rios volumosos nem paisagens exóticas. Era tudo igual, plano. Haviam poucas famílias, a vida era pacata, tranquila. Todos se conheciam (era fácil, pela quantidade de pessoas).
    Um dia o governo lembrou da gente. Eles queriam fazer uma rodovia. Disseram que era necessário para o progresso da região (não o nosso distrito, mas sim outras regiões a centenas de quilômetros daqui). Seriam necessários algumas demolições. Essa estrada passaria exatamente no meio do distrito. Assim, algumas famílias tiveram de se mudar.
    Mas não foram só essas famílias que se mudaram. A tranquilidade também. O movimento na estrada era frenético, constante. Os veículos passavam em alta velocidade. Acho que nem notavam que existia um distrito aqui. Talvez fôssemos só um vulto em suas janelas. Talvez não fôssemos nada. Minha casa ficou de frente para a rodovia e a janela do meu quarto me permitia olha a rodovia todos os dias. Era um entretenimento.
    E, de tanto olhar, notei que a rodovia dividira nossa região. Era cada vez mais difícil ir para o outro lado. Quando meus pais ou um amigo me convidavam para ir no primo, por exemplo, que ficava do outro lado da rodovia, já "batia" uma tristeza. 
  Sabia que teria que esperar de 20 a 30 minutos para atravessar. E o pior: tinha que ser correndo. Era um risco de vida! Eu preferia ligar para ele. Assim, a rodovia que unia grandes cidades, separava nosso distrito. Eram dois povoados, dois bairros e, consequentemente, duas culturas diferentes. 
    A cidade começou a ficar movimentada. Apareceram primeiro os postos de gasolina, as pousadas, o mercantil, a farmácia e uma agência de banco. Passamos a ter destaque, afinal, só havia outra cidade a mais de 100 km daqui! Agora, os dias não eram todos iguais. Sempre haviam novidades. Os negócios na cidade cresciam e os problemas sociais também. Veio a necessidade de polícia (algo que antes era desnecessário). Realmente, vivíamos cheios de novidades.
   A vida em poucos anos mudou totalmente. A tranquilidade deu lugar ao movimento. O distrito virou cidade. Os "bom dia" e "obrigado" foram perdendo a sua importância. Continuamos tendo pouco contato com as pessoas que ficam do outro lado da rodovia. 
    E eu continuo olhando pela janela, vendo o movimento dos carros e me perguntando: de onde vem? Para onde vão? Ou simplesmente pensando sobre para onde eu deveria ir. Bem, mas agora é hora de trabalhar, tenho de ir. Não há mais tempo a perder.


Alexandre Valério Ferreira



    

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