Da praça à praça


De Alexandre Valério Ferreira


  Letícia era da geração que não ia no Centro fazer compras. Para ela, tudo necessário para a sobrevivência humana podia ser comprado em supermercados e shopping centers. Também era lá que ela encontrava entretenimento e segurança (ou pelo menos, menor insegurança).
  Um dia, porém, foi necessário que ela realizasse compras no Centro. Para ser mais exato, ela estava sem muito dinheiro para pagar pelos livros deste ano e nas feiras e sebos da Praça dos Leões era o ponto ideal para resolver este problema.
  Uma tia dela a deixou de carro, mas teve de sair. Letícia supunha saber andar no Centro e pelas dias de sua mãe, parecia que tudo era bem simples. Bastava entrar naquela rua que tinha...bem...tinha uma loja? Uma sapataria? Não sabia mais. Mas, como dizem: quem tem boca vai a Roma?
  Depois de comprar alguns livros (do professor), ela seguiu as orientações da sua mãe. Indo por uma rua que mais parecia um calçadão, encontrou um prédio antigo que era uma agência da Caixa. 
   Ela estava na praça do Ferreira. Era fácil descobrir isso, pois havia uma coluna do relógio no meio dela. Próximo ao Cine São Luiz, uma roda de pessoas observava atentamente para algo. Letícia, curiosa, também decidiu bisbilhotar. Um homem forte abria cocos com a própria cabeça ou com os dentes. Era impressionante!
  Mas, agora para onde ela devia ir? O tempo estava passando sem misericórdia. Seguiria pela rua daquela farmácia de manipulação com fachada do século não sei o quê (só sabia que não era de agora). 
   Andando, esbarrando e observando, Letícia seguia em linha reta rumo à avenida Duque de Caxias. Encontrou outra praça: a do Carmo. Mas, não era uma igreja que havia na praça que ela devia chegar, mas sim uma estação de trem. Retornou sua caçada em direção ao mar. Perdida por ruas com nomes para ela sem significados, parou em outro local. 
  Desta feita, encontrou a praça José de Alencar. Ela certa vez ouvira falar deste local. Mas, parecia mais feio do que se falava. Pombos, vendedores ambulantes e urubus a procura de inocentes rodeavam o passeio público.
  Assustada, andou o mais rápido que podia. Ser mulher aumentava em muito os riscos de assalto e assédio. Triste realidade social. Não é para menos que seu irmão sempre a alertava. Conhecia bem como era a cultura popular ainda vigente em sua localidade.
  Finalmente, ela chegou na praça que não parecia uma. Na verdade, era formada por inúmeras paradas de ônibus. Estas também serviam de moradia para mendigos e drogados. Figuras das mais variadas apareciam por lá.
  Alertada também fora sobre o risco dos assaltos e as táticas dos mirins. Quando o ônibus finalmente chegou, uma multidão incalculável tentava desobedecer às leis de Newton e ocupar todos o mesmo espaço ao mesmo tempo.
  Uns dois homens e uma mulher entraram alvoroçadamente. Letícia estranhou a estranheza daquelas figuras estranhas. Decidiu, portanto, esperar e ver o que acontecia. Os indivíduos entraram, mas não passaram a catraca. Desceram em discussão. Era evidente que estavam distraindo as pessoas a fim de roubar pertences. Eles saíram. Ela entrou.
  Agora, estava mais calma. Observou atentamente os passageiros. Todos desconfiavam de todos. Era um terror. Mas, conseguira sobreviver. Retornava para casa. Chegando no terminal, decidiu ligar para sua mãe e dizer que já estava próxima de casa. Ela abriu a bolsa e ... cadê o celular?!






 

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