Carta à Peter Pan

Foto: http://www.ericrettberg.com/peterpan/wp-content/gallery/illustrations-by-f-d-bedford/i148.jpg

Texto de: Alexandre Valério Ferreira


___________________________________________________

Caro amigo, Peter Pan,
  Talvez você não se lembra mais de mim. Talvez sim. Sou aquele menino magro, de cabelos pretos e que gostava de tocar gaita. Conseguiu se recordar agora? Espero que sim. Estou enviando esta carta para te explicar algumas coisas.
  Você sabe, não é? Fugi da Terra do Nunca num dia daqueles que não se conta. Provavelmente, você se perguntou o porquê de eu ter saído daquele paraíso das crianças. Como pessoa honesta e preocupada com meus amigos, decidi me explicar. Desejo que me perdoe e compreenda, desde já.
  Sinto te dizer, mas eu não aguentava mais. É realmente encantadora a ideia de viver eternamente como criança. Afinal, como você mesmo disse, a vida de adulto é chata, enfadonha, cheia de obrigações. Até parece que eles perderam o gosto pela vida. São caretas. 
   Parece mesmo. Não posso negar. E foi por esse motivo que, junto com vocês, fugi para a Terra do Nunca. Adeus, responsabilidades! Adeus, obrigações escolares! Adeus, trabalho e salário! Com essas palavras, deixei Brixton.
   Mas, depois de um tempo, comecei a pensar em tudo, sabe? Na vida, entende? Tipo, fiquei pensando em como seria viver eternamente como criança de verdade. Será que realmente seria tão divertido como você dizia?! Receio que não. Desculpe te decepcionar, mas tenho fortes razões.
 Como crianças, ainda estamos em fase de desenvolvimento. É como um carro que ainda está sendo construído. Estamos em teste, por assim dizer. Estamos subindo degrau por degrau, a fim de chegar ao nível da fase adulta. Quando nós decidimos ser crianças para sempre, deixamos de "crescer". Deixamos de nos desenvolver e paramos nos degraus. Isso me incomodou.
   E as malditas responsabilidades? Eu te pergunto, mister Pan, deixamos de trabalhar na Terra do Nunca? Não precisávamos caçar por comida e lutar por nossa sobrevivência contra o capitão gancho? Não tínhamos que preparar a comida todo santo dia? Não foi você que desejou trazer uma garota para virar nossa amiga-escrava-de-todos-os-dias? Por que precisávamos dela?
  Peter, alguém tem que fazer as coisas. As coisas não funcionam de outra forma. Quando nós fugimos de nossas responsabilidades, alguém tem que "pagar o pato". Ao deixar de lavar os pratos ou arrumar o quarto em casa, alguém no final das contas teria que fazer isso. Nossos pais se responsabilizavam por nossa imaturidade.
  E por que faziam isso? Porque nos amavam. Mas, eles esperavam que com o tempo nós mesmos pudéssemos fazer nossas tarefas. Nós, inconscientemente, desejávamos isso. Mas, a gente se acomodou. A gente ficou com medo. Fugimos. Saímos voando para a prisão que denominávamos terra dos sonhos. Doce ilusão.
  Será que é por isso que muitos odeiam o mundo? Será que é por isso que acham que nada presta? Será que eles não se apercebem da incoerência e infantilidade que é ficar dizendo que a vida adulta é uma vida de cão? Tudo parece tão ruim, só que não o é, meu amigo.
  Saia desse lugar. Volte. Enfrente os seus desafios. Você será capaz. Talvez precise de ajuda profissional para voltar a lidar com a sociedade. Ela é cheia de defeitos. Mas, não é por isso que precisamos fugir dela. Eu também tenho muitos defeitos. Todos tem. Até mesmo você!
  Espero que entenda tudo o que eu te disse. Por favor, não fique chateado. Não sinta ódio por mim. Sou teu amigo e apenas desejo o teu melhor. Mande notícias. Vivo em Oxford agora. Sou veterinário. Tenho uma casa simples, uma esposa e pedalo todos os fins de semana. 
  Se quiser me visitar, será bem vindo. Mas, peço, por gentileza, que não venha escondido à noite visitar meus filhos. Eles já sabem sua história. Eles entendem a vida mais do que eu na mesma idade. Eu os treinei. Você também deveria aceitar ajuda. Abraços! 



De seu bom (e velho) amigo,
Stanley

___________________________________________________




Comentários

Postar um comentário

Gostaram? Aproveite e comente o que achou do texto. Compartilhe sua opinião.

Veja também