Encenando

Teatro.
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De Alexandre Valério Ferreira


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Meu papel é difícil. Poucos são capazes de fazê-lo. Apenas os melhores atores teriam capacidade de entrar nele e convencer a plateia de que era real. Meus dramas são complexos, nós cegos que se emaranham no tempo.
   Queria acordar para a realidade. Mas, naquele instante, eu era um ator, encenando minha própria vida. Nem sempre era possível fazer uma grande apresentação. Não era todos os dias que eu era digno de aplausos. Nem todo bis era bem vindo. Não era tudo que eu desejava repetir.
   Meu teatro é caro. O preço do ingresso é impagável. Envolve tempo. Não é coisa simples assistir minhas apresentações. Não é todo dia que estou inspirado. Não é todo dia que eu me enceno bem. 
   Tem vezes que sou outro alguém. Talvez alguma pessoa que imagino ser ou que desejaria ser. Meus papeis são confusos em dias de sol e homogêneos em dias de chuva. Amo o frio. Odeio o calor. Quero brisa, água, neve. 
   Dos papeis mais difíceis que já peguei, aquele que envolvia ser realmente eu era, sem dúvidas, o mais desafiador. Tenho dúvidas se um dia conseguirei fazê-lo bem, com maestria. Minha dramaturgia não chegou a esse patamar ainda. Estou no palco, mas ainda sinto calafrios ao olhar os olhares da platéia.
   Tenho medo. Medo de quê? Medo da vergonha. Vergonha de quê? Vergonha de eles conseguirem perceber. Perceberem o quê? Que tenho vergonha de ser eu mesmo. Quem não tem? Quem se conhece bem? Poucos podem responder sim com bastante confiança.
    Todos estamos numa cena de teatro. E o teatro é a vida. Ela é complexa. A plateia é da mais variada possível. Alguns, nós convidamos; outros, não. Há os que são bem vindos; há os que não o são. Tem dos que deviam ficar. Tem dos que nunca deviam ter aparecido. Alguns olhares são condescendentes; outros, severamente críticos.
   Com quais olhares vou me guiar? Em quais dos sorrisos poderei confiar? E se me doer a rejeição? Se não baterem palmas no final do ato? Será que isso realmente importa? Será que a todos é importante saber o que ou quem eu sou? Talvez não. Talvez a resposta para tudo seja um talvez.
   Viverei então em meus papeis. Arriscando ser o que sou e o que ainda não sou de vez em quando. Um ato de cada vez. Uma fala de cada vez. Nessa peça não tem segunda exibição. Cada drama é único, singular. Um tombo pode ser vergonhoso, mas, o show tem de continuar.



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