A Lavagem

Carrinho de mão. Foto: http://galeria.colorir.com/veiculos/outros/carrinho-de-mao-1-pintado-por-bruna--eloisa-84663.html

De Alexandre Valério Ferreira


_________________________________


O chiado característico do carrinho de manhã denunciava sua chegada. Dona Maria nem precisava ser chamada. Rapidamente vinha com um balde cheio de lavagem. Eu abria a tampa do meu e ela esparramava a mistura pegajosa, já quase em processo de apodrecimento. Mas, ainda servia.
  Bato em outra casa, cinco portões a frente. A dona Elizabete estava ocupada, mas, ao ouvir as palmas e meu chamado, vinha com uns dois baldes pequenos com muitas cascas de frutas e restos de hortaliças. Ajudo a tirar tudo. Costumo usar a própria mão. 
  O velho Zé já me olhava impaciente. Estava precisando do recipiente, agora cheio de lavagem, para uma construção. De olhar firme, porém, conhecido por sua bondade, encheu e quase fez transbordar meu balde.
  Sigo, então, com meu carrinho em direção ao final da linha, ao fim da rua e início da estradinha. Logo chego ao chiqueiro do seu Antônio, fazendeiro urbano dessas bandas. Já fora mais rico, mas nunca perdera o gosto de mandar e de ser arrogante. Ainda assim, parte do meu sustento vinha daquilo.
  Eu levantava os baldes carregados dos mais diversos produtos orgânicos. Restos de comida, pedaços de frutas, alimento não comido e por aí vai. Derramava tudo no alimentador dos porcos.
  Estes, cercados pela ignorância, só restava comer e esperar viver por mais um dia. Brigavam entre si à procura do melhor pedaço de couve-flor. Sujos feito animais imundos, viviam mortos esperando o fim agonizante.
  Eu não tinha o que dizer ou pensar. Só queria os trocados que precisava para o alimento de cada dia. Pegava o carrinho de mão e voltava a caçar as lavagens na vizinhança. O chiado alertava minha chegada e minha partida. Era meu sinal.


 

Comentários

Veja também