Primo e serra

Rua vazia, Maranguape, Ceará. Foto: autor.
  No meio da serra, eu tinha um primo. Nossa família ia de vez em quando rever os parentes. Houve uma época que isso era mais comum. Hoje, temos as redes sociais e o celular e por isso as pessoas deixaram de achar interessante receber amigos e parentes em casa. A casa não era grande. Na verdade, era em uma vila. A vila era simples. Todas as casas eram iguais, só mudavam as pessoas que nelas habitavam.
  Este primo meu de comportado não tinha nada. Às vezes eu não gostava dele. Ao contrário de mim, ele era afoito, arriscava-se. Não tinha medo das consequências. Não era para menos que diziam que ele era malino, danado. Quando eu estava visitando a serra, era ele quem mais saia comigo e me apresentava os lugares. Era uma aventura, já que eu morava na cidade grande e não havia espaço.
  Só que eu tinha medo do primo. Ele se arriscava de mais e eu de menos. Rodando pela cidade a pé, ele decidiu me levar a uma certa cachoeira. Eu nunca havia visto uma cachoeira antes, só em filmes e fotos. Ele dizia que não era longe. Claro, ele mentiu. Dizia apenas que era "bem ali". Vale ressaltar que em regiões rurais, o "bem ali" costuma envolver vários quilômetros. Portanto, não se deixe enganar.
  E lá fomos nós. Eu estava preparado com um pacote de "xilito"(salgadinhos). Evidentemente, não era uma alimentação saudável e muito menos suficiente para nos sustentar. Andamos, andamos e andamos. As ruas já deixavam de ser de paralelepípedos e se tornaram de calçamento desordenado ou areia mesmo. As casas ficavam cada vez mais distantes e as pessoas, cada vez mais raras. Era uma região de sítios.
  Claro, eu tinha medo de estranhos. Porém, tinha mais medo ainda de animais selvagens, principalmente cães de guarda das fazendas. Se um deles se soltasse? Poderiam nos dilacerar. Meu primo, como sempre, demostrava total despreocupação e judiava de meus temores. Dizia ele conhecer tudo da região, incluindo aquela estranha rua sem casas e sem nome.
  Eu já havia desistido da cachoeira. A fome já estava batendo. Mais ainda, aquele comum remorso de estar desobedecendo aos pais e em uma situação de risco já estava me sufocando. Perguntei ao meu primo se ele sabia onde estávamos e é claro que ele sabia que não sabia onde estava. Dizia que pelo menos havia um pé de manga ali próximo. 
  E agora? O que fazer? Era um risco muito grande estar ali. O medo crescia cada vez mais. E o sol começava a desistir daquele dia. Daqui a pouco daria espaço para a lua, que fracamente tentaria iluminar nosso caminho. Bem, ao contrário dos pais de hoje, que ficam vendo TV e esquecem dos filhos, os meus começaram imediatamente a me procurar, assim que notaram minha ausência. Isso era, ao mesmo tempo, uma boa e má noticia, já que eu deveria esperar, após o reencontro, sofrer algum castigo.
  E realmente nos acharam. Estávamos a cerca de 3 quilômetros da casa. Além disso, a bendita cachoeira não existia. Era apenas mentira do meu primo. Fiquei com raiva dele, claro. Mas, também gostei da aventura. Existem pessoas que gostam de se arriscar mais que outras. Algumas exageram, outras não. Na vida, é necessário arriscar de vez em quando. Não por mera loucura, mas pelo fato de simplesmente não termos opções ou não termos ideia de uma forma ou de outra sobre os resultados. 



Alexandre Valério Ferreira




Comentários

Veja também