Janela do ônibus

Janela de ônibus. Foto Editada. 
  
Sentei e comecei a olhar. O ônibus começou no seu movimento sem ritmo pela minha cidade de trânsito cada vez mais confuso. As ruas e casas passavam sobre minha vista descompassadamente. Algumas perdidamente me chamavam atenção. Sempre haviam aquelas construções de rara beleza ou de rara feiura. De fato, tem gente que insiste em ser arquiteto sem ter o dom.
  Da minha janela, eu via os carros lá embaixo. É, eu sei, não era tão lá embaixo, mas ficava abaixo da nossa vista, os usuários de ônibus coletivo. Daqui eu via casais brigando, crianças se danando, pessoas solitárias, amigos conversando. Será que se importavam em serem observadas daqui? Estranho era quando outro ônibus parava do nosso lado em um sinal de trânsito. Diversas pessoas nos olhando. Pareciam tímidas. Será que nos olhavam para nos analisar ou para ver se alguém olhava para eles?
  A viagem prosseguia. A cidade era grande. Gosto da cidade. Milhares de vidas vivendo em paralelo. Se dando bem ou não, pegávamos os mesmos ônibus e andávamos nas mesmas ruas. Engraçado andar de coletivo. Diversos rumos se cruzando em um intervalo de tempo. E, por alguns minutos, nossos rumos são os mesmos. Estranhos no mesmo barco, no mesmo objetivo temporário.
  Da janela do ônibus eu via as pessoas da rua. Algumas apressadas, outras andando a passos curtos. Muitos rostos sérios, ansiosos ou preocupados. E é de praxe nas cidades grandes haver figuras excêntricas. Homens barbudos que por vontade própria ou não, deixavam ela crescer sem nenhum controle. Ocasionalmente, eu via pinturas nas paredes. Achava interessante esses trabalhos de serigrafia. Eles dão vida aos muros sem vida. Dão cores à selva de concreto.
  Sim, daquela janela a uns 2 metros do chão, eu tinha um enorme campo de visão. Gostava dos detalhes, do diferente, do incomum. Mas, também apreciava o antigo, o velho, o tradicional. Limpava minha vista aqueles belos casarões que ainda resistem na cidade. Marcas de um tempo que foram imponentes, símbolos de status social. 
  Por alguma razão, também me chamava atenção o esquecido. Sim, na metrópole onde eu vivia, também existiam pessoas e lugares esquecidos. Alguns foram abandonados pelo governo, outros pelo povo. Praças escuras, ruas estranhas, casas habitadas por animais e drogados, paredes com textura esburacada. As pichações eram comuns. 
  Eu ria de mim mesmo. Parecia loucura eu pensar em tantas coisas em uma simples viagem de coletivo. Mas, não era simples. As coisas não vem do nada, casas não são construídas sem motivos e ruas não são feitas para ninguém (pelo menos, em geral). 
  Tudo na cidade envolve a história e vida de alguém. Alguém quis fazer aquilo ou deixou de fazer algo. As construções urbanas são memoriais de vidas que passaram por aqui, lembranças da luta de alguns e da derrota de outros. Não era simples...


Alexandre Valério Ferreira




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