Janela da Ladeira


De Alexandre Valério Ferreira


  Mesmo com o Sol ofuscando, consegui enxergar a desordem que se desenvolvia em frente. Gritos e xingamentos pareciam crescer em volume e em sentimento. Algo nada bom estava se desenrolando.
  Da janela, vi a ladeira. E da ladeira, duas mulheres discutiam sem parar. Algo estaria errado? Parece óbvio, não é? Mas, nem sempre brigamos quando algo está errado. Às vezes, ficamos com raiva quando está tudo bem. Inveja e ciúme são provas disso. Criam-se monstros onde não existem.
  Mas, essas duas mulheres eram irmãs. Para um olhar perdido, diria até que eram gêmeas. Mas, enxergando com mais atenção, rapidamente percebemos as discrepâncias entre elas. Uma é o avesso da outra. Estranho mesmo então era entender como andavam juntas com tanta frequência.
  Por que brigavam? Elas parece que estavam levando compras para a avó. Uma estava de camisa vermelha e a outra, de camisa marrom. Ambas estavam com o cabelo desarrumado. Também não pareciam preocupados com complementos para o rosto.
  A discussão se desenvolveu no subir da ladeira. Isso já explica muita coisa. A inclinação dessa rua é cruel. Quase é necessário escalá-la. Porém, com o tempo, a gente se acostuma. A gente se acomoda com tudo.
  Elas não se acomodaram. E, como era de se esperar, cansaram e uma delas derrubou a sacola com as laranjas e maçãs. Não preciso entrar em detalhes sobre o que a gravidade vez em seguida.
  Uma passou a culpar a outra. Relembravam uma a outra sobre erros do passado. Ótima tática quando se faltam argumentos. Os gritos assustaram os desacostumados com aquelas mulheres. Cachorros latiam e vizinhos fofocavam.
  Por fim, para alegria da desgraçada, a outra também sofreu com a sacola que se deixou levar pelo desânimo e desistiu da vida, lançando frutas e latas ladeira abaixo. As mulheres, então, correram desesperadamente ladeira abaixo. O silêncio tomou conta da ladeira novamente.
  Uns 30 minutos depois, as duas irmãs subiam exaustivamente o morro. Desta vez, utilizaram um saco de nylon para levar as compras e ambas seguravam ele. Não comentavam nada. Mas, era evidente que "perdoaram" uma a outra em virtude de um inimigo comum: o orgulho.






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