O pai, a menina e a bicicleta

Foto: http://familyonbikes.org/blog/wp-content/uploads/2013/10/old-bike.jpg

De Alexandre Valério Ferreira


  A bicicleta fazia um chiado a cada pedalada. Devia faltar um pouco de graxa naqueles rolamentos velhos. Como marcas do tempo e do uso, a ferrugem bronzeava os aros. Sem marcha e sem conforto, um senhor a pilotava sofregamente.
  Entretanto, sozinho ele não estava. Na garupa, uma mocinha de 5 anos de idade seguia seu pai. Com olhares tranquilos e confiantes, observava o mundo ao seu redor. Um banquinho adaptado lhe proporcionava um certo conforto. Além disso, a protegia do risco de prender seus pés no pneu da bicicleta.
  Ela cantava para si mesmo. Imaginava que todos a ouviam. Talvez pensasse que fosse uma daquelas maravilhosas cantoras de uma voz incrível. Suas mãos dançavam no ar, como se estivesse voando baixo. Era uma coreografia inventada por ela mesma. Não apenas isso, era uma encenação de seu futuro artístico.
  Olhava despreocupada para os olhares curiosos das velhas senhoras de sorrisos quebrados. Ela se espantava com as rugas que desenhavam os rostos daquelas mulheres. Não podia sequer imaginar que um dia seria daquele jeito. Nem precisava. 
  Tudo que importava era o caminho. Seu pai a levava mundo a fora. A bicicleta deles sobrevoava terras desconhecidas por ela. Carregada com pedaladas e suor, a mocinha sorria perdidamente. O doce chiado das engrenagens eram como um tique-taque, uma melodia que ficaria em sua doce memória. Não havia o que ou quem temer. Não havia o que se preocupar.
  Seu pai, cansado e tranquilo, olhava para trás de vez em quando. Talvez procurasse ver como sua filha estava ou, quem sabe não procurasse mais uma pitada de amor para adocicar a amargura da dor nas canelas. O caminho ainda era longo. Até que podiam ir de ônibus, se ao menos tivessem dinheiro. 
  Era um daqueles paradoxos de um mundo dito justo e que premiava os mais esforçados: podia, mas não podia. O poder fazer era apenas uma ilusão, uma daquelas tolas ideologias que estranhos e poderosos tentam nos jogar.
  A antiga bicicleta sustentava seus caminhos entre asfaltos friamente quentes. Nas dolorosas estradas de pedras, a mocinha dava gargalhadas das inconstâncias que para seu pais eram obstáculos. Buracos e subidas se transformavam em altos e baixos de uma montanha russa brasileira. As decidas eram as férias de seu exausto pai e eram os gostosos frios na barriga de uma menina cuja vida parecia um sonho. 
  Talvez fosse esse o ponto. Ela exigia muito? Não, apenas cantava e sorria. Já possuía tudo que precisava para aquele momento: amor, vida e paz. Era tudo tão simples. Tudo tão fácil. Por que complicar?



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