Diário de uma Birra

Criança birrenta. Foto: https://camisetinhas.files.wordpress.com/2014/08/chilique-de-crianc3a7a.jpg

De Alexandre Valério Ferreira


  Entre a seção de biscoitos e de produtos de higiene, uma guerra se realizava. Uma mãe passava vexame. Uma criança chorava loucamente. Seus gritos podiam ser ouvidos em todo o recinto. Se alguém não visse o que estava acontecendo, pensaria que alguém estava sofrendo uma morte horrenda.
  Tudo não passava de uma crise de birra. No princípio, era daquelas pequenas e discretas, cujo sussurro ameaçador resolvia rapidamente. Mas, agora a situação estava fora de controle. Constrangida e sem saber o que fazer, a mãe arrastava o menino que escorria lágrimas e lamúrias.
  Perto dela, uma jovem mulher comentava ironicamente com o marido sobre o caso. Destacava os malefícios de terem filhos e que melhor seria criar animais irracionais. Segundo ela, o que faltava naquele moleque era uma boa disciplina. Nada mais, nada menos.
  A senhorita do caixa observava sem nenhuma surpresa. Já não era novidade crianças chorarem nos supermercados, insistindo por algo que lhes fora negado por seus pais. Algumas perdiam a guerra, a maioria, não.
  Um senhor de idade, atento ao drama social, sussurrava para sua esposa sobre como era difícil criar filhos. Em especial, quando não tinha o apoio do pai. Ele se orgulhava de ter estado presente na formação dos seus quatro filhos. Ela também se orgulhava da família que construíram.
  O gerente estava sem reação. O salário que recebia e o interesse que tinha pelo serviço que prestava não o moviam a nada. Apenas comentava com um ou outro sobre as possíveis razões daquele menino ter se tornado daquele jeito. Na maioria das vezes, acreditava que uma boa cinturada resolvia todos os problemas com as crianças.
  Um psicólogo observava criticamente a situação. Já vira casos parecidos antes. Os pais, conscientes ou não, estavam treinando seus filhos a serem birrentos. Eles davam tudo para a criança. Em consequência, esta crescia em tamanho, mas continuava com a impressão de que o mundo era feito para agradar somente a ela. Talvez fosse este o caso ali presente. Talvez não. Ciências humanas é feita de incerteza.
  Um senhor irritado criticava a fraqueza daquela mulher. Reclamava de que ela não tinha bons modos e, por isso, não soubera passar nada de bom para o filho. Este, do ponto de vista dele, era um potencial delinquente. Seria até bom se fosse extinto. 
  Os olhares julgavam e sentenciavam o menino e a sua mãe. Alguns poderiam estar totalmente certos ou totalmente errados. A maioria, porém, estava vendo apenas a ponta do iceberg. No fundo, pouco se podia dizer com certeza, além de que ninguém fez nada por ela ontem e nem hoje.



 

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