Janela das Primeiras Horas do Dia


De Alexandre Valério Ferreira


  Da janela, vi o nascer de mais um dia. O céu se acorda e, com ele, milhões de trabalhadores e estudantes. Camas ficavam lentamente vazias. O cheiro de café começava a pairar no ar. As padarias se enchiam de massas de todas as espécies. 
  O vazio da rua começava a se perder, a medida que o sol insistia em brilhar. Um vai-e-vem constante tomaria de conta de todos os cantos. Carros, motos e ônibus, num abelhismo descontrolado, desequilibrado, apressado. Era mais um dia que começava.
  Aos poucos, multidões de pessoas com sono e preguiça eram forçadas a esperar nos pontos de ônibus. Estes, por sinal, parecem que nunca vem em quantidade suficiente. Sempre lotados. Tudo cheio. Aperto. Filas. Atrasos. Era mais um dia que começava.
  Crianças de mãos dadas com seus pais. Grupos de amigos implicando uns com os outros. Bicicletas. Mochilas do lado direito do ombro. Lancheiras. Desanimo. Dia de aula. Dia de prova. Alguns estudaram, a maioria, por outro lado, ainda ia descobrir o que deveriam ter estudado. Era mais um dia que começava.
  Mas, não estamos falando de um dia qualquer. É um dia "útil". Pois, quando não estamos trabalhando para obter a renda de cada dia, que utilidade esse dia possui? São inúteis. Poderiam até ser descartados a fim que vivêssemos para fazer algo na esperança de alcançar algo melhor em um dia que não chegava.
  Haviam coisas bonitas da janela. Eram pássaros cantando, reverberando sua resistência frente ao processo de urbanização. Era o sol pintando o céu em meio a telhados sem graça. Eram os pais beijando seus filhos e seus cônjuges. Era uma mistura de adeus e até logo. Era medo e alegria. Esperança e apreensão. Todos os dias eram assim. Tudo era incerto e, talvez por isso, desejássemos tanto aquela certeza do "até breve". Sim, era mais um dia que começava.



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