Maré Alta



De Alexandre Valério Ferreira


 Fomos desobedientes. Pior que isso, agimos com irresponsabilidade. Sabíamos que o nível do mar ia subir e, com ele, o rio também. Em um pouco mais de duas horas, toda a praia de ondas leves e areia fofa ficaria debaixo d'água.
  O problema era a posição em que nos encontrávamos. Antes, um centro de criação de camarões, o local se encontrava abandonado. As pontes e trilhas estavam em geral mal conservadas. Era um risco a cada instante. Não tínhamos tempo para erros.
  Sabíamos disso. Alguns moradores nos falaram dos perigos da maré alta. Casos de pessoas que morreram afogadas ou presas na areia movediça. Histórias assustadoras. Quão reais poderiam ser? Esperávamos que o mínimo possível.
Aceleramos o passo. Difícil era manter o ritmo. Os pés doíam. As pernas reclamavam por descanso. O corpo sussurrava por água e sombra. Mas, as águas se moviam sem piedade. Ocupava áreas outrora habitadas por criaturas não aquáticas. As árvores se tornavam em sombras debaixo d'água. A diversão daquele dia transformou-se em desespero.
  A água do mar preenchia antigas piscinas, lagos artificiais e trilhas. As ilhas deixavam de existir e se tornavam em bancos submersos de areia. Ainda havia muito para andar. Se anoitecesse, o risco seria ainda maior, talvez fatal. A culpa repetia-se constantemente na minha cabeça. Meus amigos confiaram em minha palavra.
Vi uma casinha estranha. Feita com madeira e palha de coqueiro, parecia tentar se proteger da subida das águas. Era alta. Será que o mar subia tanto assim? Talvez não, talvez sim. Quem poderia saber? Se houve gente por aqui, parece que fazia muito tempo. 
Nossos pés, cortados pelos matos, pedras e búzios, choravam por um alívio. O abandono daquele litoral parecia acentuar o medo. Por que foram embora? O que aconteceu neste lugar? Perguntas e perguntas. Mas, nada de respostas.
  Ao longe, avistamos a praia. Barcos, antes encalhados, agora flutuavam na água ascendente. O vilarejo estava ao oeste. Precisávamos andar mais um pouco, mas o labirinto do encontro do rio com o mar já não era um risco para nós. 
  Será que aquela casinha ficou de pé? Eu me pergunto às vezes. Talvez tenha resistido. Ela não foi construída da noite para o dia. Já enfrentara outras marés. Era tão frágil, inclinando com a força do vento, mas tão leve que poderia flutuar. Será? Não a vi mais. 
  O medo daquela tarde se tornou em motivo de riso. O sol já estava se pondo. Era mais um fim de um ciclo. Amanhã, a água abaixaria novamente e começaria tudo de novo. A natureza parecia já acostumada ao caos e às mudanças. E nós?



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