Papocando


De Alexandre Valério Ferreira

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Talvez, eu estivesse enganado. Mas, dentro daquela sala, eu me sentia em ebulição. Não era hostilidade. Era indiferença. Era o estar só ao estar junto. Precisava resolver a situação. Mas, como solucionar um problema fora do meu controle.
  Quando eu chegava, ninguém falava. Cada um fazia seu trabalho e conversava com os mesmo de sempre. Parecia uma nota repetida inúmeras vezes, monótona, entediante. O que havia de errado? Estaria o problema em mim? 
  Não sabia a resposta, mas era uma situação incomoda. Parecia que eu era um peixe fora d'água, um estrangeiro, um alienígena. Não haviam ofensas e nem críticas diretas. Pior que isso, a impressão que me causava era de que eu não existia ali.
  Um dia, porém, tornei minha presença evidente, ou pelo menos obriguei a reagirem a ela. Num momento de ira em uma discussão sobre a questão da política do país, eu fui grosseiro e hostil aos que costumeiramente me renegavam ao esquecimento.
  Pior disso é que no final das contas quem fica na pior somos nós mesmos. Eu me tornei o "mau" da história e a mim vieram ainda mais indiferença. Como trabalhar num ambiente assim? Não pode dizer que é motivador, mesmo o salário sendo bom.
  A dificuldade é que eu tinha contas a pagar. Tinha que sustentar a família e os gatos. Coagido pelas circunstâncias, resisti a fuga. Não me demiti, pelo menos não agora. Ainda assim, a cada dia, dentro de mim, algo vinha me sufocando.
  Cada dia era um martírio. Talvez, pior do que ofensas diretas. Tentei resistir. Mas, como um milho no óleo quente, eu estava a ponto de papocar naquela ambiente. Desagradável, desmotivador, sem criatividade, tudo isso é o que vinha a minha mente quando pensava naquela sala.
  Enfim, o milho virou pipoca em mim e voou longe, pois além de me demitir, eu me mudei para outra cidade. Era outro emprego que consegui. Foi uma mudança drástica. Exagerada? Difícil de responder. Talvez com o tempo eu saiba.
  Não sei se meu erro foi ter saído ou ter demorando tanto para fazer isso. De repente, fui me adaptando à nova vida. O custo de vida era menor, assim como o meu salário. Sacrifícios são necessários. Nunca pensei em morar no "interior", mas foi assim que aconteceu.
  Eu me arrependo? Desnecessário descobrir. As coisas seguiram esse rumo e assim estou levando. Talvez, eu esteja melhor. Quem sabe, assim como a família de Gregor Samsa acabou ficando em melhor situação com a desgraça que sobreveio sobre ele, ao ser metamorfosiado em uma espécie de inseto, eu devo ter ficado melhor após uma parte de mim que se prendia ter sido corroída. As vezes, as dificuldades nos forçam a tornar evidente a força que nós temos. Quem sabe, foi isso que aconteceu comigo?


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