Brincar


  O condomínio era grande. Tinha cerca de 200 unidades. Acredito que 80% delas estavam ocupadas. Mas, não tenho certeza. Pouco sei da vida dos que moram no mesmo edifício que eu. Existe uma área similar a uma pracinha. Contem escorregadores, gangorras e outros equipamentos. O local é bom. O preço salgado é compensado pela qualidade.
  Porém, a impressão que eu tinha era que não haviam crianças. De fato, os brinquedos pareciam esquecidos, quase que abandonados. Era realizada a manutenção, mas era pouca, visto que eles eram praticamente inutilizados. Fiquei impressionado. Onde estavam os naturais ocupantes dos brinquedos, as crianças? O que aconteceu? Fui investigar.
  Evidente é que a população está tendo menos filhos. Geralmente, quando tem, é um ou dois. As razões, na maioria das vezes, é devido ao novo estilo de vida. Temos menos tempo para criar filhos e os custos para sustentá-los aumentou. Outros, temem que o esforço seja vão. Ficam ansiosos diante da possibilidade dos filhos se tornarem rebeldes e delinquentes, haja vista isso estar ocorrendo em escala crescente.
  Acho que 30% das unidades do prédio haviam crianças. Claro, não fui perguntar em cada apartamento. Na verdade, eu perguntei para os porteiros, camareiras e outros funcionários e tirei uma média dos dados (um tanto grosseira, eu sei, mas serve). Continuando, ainda havia boa quantidade de crianças e eu mesmo comprovei isso ao notar os horários de ida e volta dos colégios. 
  Então, se haviam uma certa quantidade de crianças e havia local para se divertirem, porque não estavam lá? Porque elas não brincam mais? O que aconteceu? Eu brinquei muito na infância e era na rua. Joguei carimba (queimada), bandeira, de bila (bola de gude), de pipa, de pião, de sete pecados, entre outros. 
  Agora, alguns pais proíbem os filhos de ir para a rua, devido a insegurança e criminalidade. Mas, aqui era dentro do condomínio. Haviam seguranças e não tinha o risco de atropelamento, como era no caso dos que brincam na rua. Então, porque não estão aqui?
  O fato é que muitas crianças desaprenderam a arte de brincar. Estão querendo se tornar adolescentes antes da hora. Querem agir como adultos e serem independentes. Claro, devemos ajuda los a amadurecer. Mas, existem coisas que não são para a idade deles. Por outro lado, estão desaprendendo a usar a imaginação, a inventar as coisas. Sem contar que, ao brincar, temos que lidar com problemas, saber interagir com as outras pessoas. É nesse tipo de entretenimento que podemos aprender a dividir, a perdoar e notar que não é só o que queremos aquilo que é importante.
  Agora, algumas crianças vivem na internet. A preocupação se torna a aparência e a popularidade. Afinal, só o que vemos são fotos, videos e postagens. Se a pessoa tem muitos contatos e é muito conhecida, isso chama atenção. 
  Mas, apesar de bem útil, passar muito tempo no computador não é benéfico. Logo nessa fase onde as crianças estão aprendendo a interagir e se comunicar, é essencial a comunicação face a face. Triste é ver que elas tão se tornando excelentes técnicos de computador, mas terríveis comunicadores.



Alexandre Valério Ferreira



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