Diário do Porquinho

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De: Alexandre Valério Ferreira


Estante do quarto, 02 de janeiro de 2015.



  Eu me lembro como se fosse ontem. Um velho artesão me vendeu a um casal que visitava o interior. Eles me colocaram em uma estante no quarto deles, do lado de livros e um globo.

  Pareciam dias maravilhosos. Eu ficava no centro das atenções. Sempre que havia uma moeda, eles corriam para guardar em mim. Eu era o banco deles. Poupava o que eles não seriam capazes de fazer sozinhos. Eu era o lastro deles. A segurança financeira deles.   Pelo menos, era isso o que me diziam.
  Talvez fosse realmente verdade tudo aquilo que eles me diziam. Quem sabe eu fosse importante de verdade? Mas, com o passar dos dias e das moedas, dúvidas passaram a crescer em minha mente.
  Havia algo de estranho em todos aqueles elogios. Por que realmente eu era tão importante? Por causa das moedas que em meu interior se resguardavam, não é verdade? De onde elas vinham? Daquele casal. Quem era os donos delas? Eu? É evidente que não... 
  Fiquei mais assustado a medida que passei a me questionar sobre o porquê deles deixarem seu dinheiro a meus cuidados. E se eles precisassem daquelas moedas? Como conseguiriam tirar da fina abertura que sobre meus lombos se localizava? Havia alguma técnica especial? 
  Afinal, não tinha outro meio delas saírem de dentro de mim. Não sou como os porcos orgânicos. O que em mim se guarda, não sai mais. Pelo menos, é isso que eu achava...
  A cada dia, o medo crescia. Dúvidas e mais dúvidas. As moedas, antes fonte de alegria para meu coração, agora me causavam tremores e repulsa. Cada centavo que caia em meu interior oco era como um terremoto assolando meu universo. 
  Talvez você me considere dramático. Quem sabe eu o seja. Provavelmente você já sabe o que me acontecerá. Será que me considera inocente e lerdo? Bem capaz que sim. Quem sabe, você esteja certo (ou pelo menos estava).
  Eu já estou ciente. Desejava profundamente que aquelas moedas sumissem. Ou que aquele casal esquecesse de minha existência. Como eu queria dizer: "Não quero moeda! Deposite no banco, animal!". Mas, não podia.
  Cada discussão sobre despesas era um terror para mim. A cada instante, sei que aquele martelo fará seu trabalho em mim. Se não ele, a gravidade me puxará para o trágico fim que tanto meus donos desejam.
  Fim de ano é um terror para os cofrinhos. Gastos e mais gastos. Férias. Viagens. Tudo. As dívidas se acumulavam. Cada papel que vinha dos correios eram como toneladas de chumbo em meus lombos. 
  Estou com medo. Eles estavam discutindo a poucos instantes. O tema era o de sempre: dívidas. Espero que eu morra lentamente.
- Tenham piedade de mim! 
- Quero guardar mais moedas! 
- Por favor, não façam isso comigo! Eu imploro!
- Não! Não! O martelo não!!! O martelo n....

Foto: https://crediacsc.files.wordpress.com/2014/03/cofrinho_quebrado.jpg


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