A Janela Rosada - parte 1

Casa rosada. Foto: autor.

  Era uma vez um vilarejo. Ele era bastante isolado, distante das grandes cidades. O movimento era pequeno. Raramente aparecia algum visitante. E não era para menos, pois o transporte para lá era escasso. Havia apenas uma linha de ônibus que, durante a semana, só vinha duas vezes ao dia. Mas, nos finais de semanas, só passava uma única vez. 

  O vilarejo era denominado Vila das Dores. Não sei bem explicar a origem deste termo. Alguns dizem que foi porque a família que originou o povoado sofreu de malária ou outra doença e quase todos faleceram. Ainda outros afirmam que existia uma tribo indígena que foi terrivelmente massacrada pelos colonizadores portugueses, após um intenso combate bem no centro do local. E, a partir de lá, se formou a vila.

 Desde o começo, este local apresentava algumas peculiaridades. Todas as casas eram de cor cinza ou branca.  Todas seguiam o mesmo padrão: uma porta principal, uma janela fronta e 2 laterais, uma porta e uma janela para o quintal. Até mesmo os casarões apresentavam um perfil parecido. Dentro das casas, sempre havia primeiro uma sala, seguida de dois quartos, cozinha e quintal. 

   Só plantavam palmas, pois servia de comida para os animais na estiagem. Apesar de nenhuma lei relacionada com a estética das moradias existir oficialmente, todos os moradores se viam obrigados a construir suas casas dessa forma. Aparentemente, todos aceitaram. Parecia algo já subconsciente ao vilarejo. Já nasciam com esse pensamento.

  Um dia, entretanto, chegou uma nova moradora. Ela  chamava Ana Cecília. Era mãe solteira; tinha 3 filhos: Isaque, 15 anos; Bruno, 10 anos e Alex, 5 anos. Apesar de seus 40 anos, ela gostava de jazz e rock, o que era bastante atípico das donas de casa da época (ainda é). Seus filhos também gostavam. Assim que chegou, começou imediatamente a pintar a casa de cor rosa. Rosa? Exato. Bem, você já pode imaginar o problema. 

   Todos seguiam o mesmo padrão e a mesma cultura. Quando viram aquilo, ficaram estupefatos. Como é típico do ser humano, tudo que é diferente é considerado feio e as pessoas rejeitam. Era visível a apatia dos vizinhos. Nenhum deles deu boas-vindas àquela família. As pessoas olhavam para a casa dela com aquelas caras amarradas, como se tivessem engolindo limão. 

   Murmuravam mil e uma coisas contra aquela nova família  Acreditavam que era exibição. Até diziam que ela não era um mulher correta. Outros diziam que seus filhos poderiam ser uma terrível influência para as outras crianças.

  Os vizinhos não foram gentis. Não informavam para ela onde ficava os correios e nem que o motorista da única linha de ônibus era um tanto surdo. Assim, para que ele abrisse a porta, tinha que bater com força. Eram tão cruéis que não a informaram nem sequer qual era o nome da rua dela (pois os nomes da rua só eram conhecidos oralmente; não haviam placas).

   Olhando-se de uma colina ao lado do pequeno povoado, era possível compreender a enorme diferença entre a casa daquela nova moradora e o resto do povoado. Só víamos o cinza e branco. Parecia mais um imenso cemitério (dos vivos...). Entretanto, com a nova habitante, um ponto de cor rosa brilhava e se contrastava na região. E agora, o que seria de Ana e seus filhos? 

Continua...

Alexandre Valério Ferreira