Debaixo D'água

Foto: Autor.
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MERGULHEI no silêncio das águas. A barulheira que reinava acima da superfície se desvanecia e se perdia nas profundezas. Aqui elas não tinham mais voz nem força. Eram dois mundos diferentes. Duas realidades.
  Quando me afoguei na transparência do líquido vital, tomei consciência de mim mesmo. De repente, era apenas eu. Nenhum som que distraísse minha mente. Nada tentando me afastar do reencontro comigo mesmo. 
  Assustador? Talvez. Somos criaturas complicadas. Ou melhor, temos o hábito de agirmos como tais. Não precisaríamos seguir esse caminho. Porém, o confuso e complexo é sempre o mais fácil. Leonardo Da Vince muito bem disse que "a simplicidade é o mais alto grau de sofisticação". Estava certo. Só demorei a entender.
  Precisamos desses momentos debaixo d´água, onde os barulhos são difusos, fracos, não nos distraem de nós mesmos. Mas também não somem. Estão lá nos lembrando sempre que nosso mundo é acima das águas. Não devemos fugir da realidade. Não devemos nos entregar ao afogamento.
Ao estarmos abaixo da linha das água, estamos ouvindo o som da nossa cabeça. E o que escutamos? O que encontramos? Será que é algo bom? Estamos satisfeitos? Sentimo-nos vazios? Estamos completos? Somos capazes de estar sozinhos? Lembramos de alguém? Arrependemo-nos de algo? Sem a pressão dos outros, o que realmente sentimos?
   Não posso respirar debaixo d'água. Sobrevivo nesses instantes com aquilo que já alcancei, o que acumulei. Lentamente, o ar sente vontade de se dispersar. O corpo quer expulsar o agora desnecessário gás carbônico. Preciso de oxigênio. Preciso de vida. É ai que reconheço que não posso viver só. É necessário reconhecer nossas limitações.
  Os momentos de solidão são ótimos. Eles nos dão a oportunidade de sedimentar nossas ideias, consertar pensamentos, refleti sobre nossas ações e planos, recuperar-nos, reconhecer-nos. Porém, eles são exatamente isso: momentos. Não devem ser eternos. Não precisam ser. Ninguém está condenado a estar só. 
   Assim, retorno à vida acima das águas. As bolhas, o silêncio, o doce vazio do preenchimento completo fica para trás. As lágrimas fogem e o sol apaga o frio que já em mim crescia. É hora de conviver. Volto a jogar futebol com os amigos na beira da lagoa. Em poucos minutos, a barulheira torna a imperar, por meio de sorrisos calorosos, gritos e conversas sem fim. 


De Alexandre Valério Ferreira




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