Janelas Ambulantes



De Alexandre Valério Ferreira

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Múltiplos olhares. Diversas janelas. Tantos pensamentos. Carregando sonhos, planos, medos, dilemas, corpos seguiam sentados, sendo empurrados pela máquina. Cada um tinha seu rumo. Mas, naquela tarde de julho, cruzaram-se por algumas horas. Se isso mudaria suas vidas, ninguém sabe e nem precisava saber.
   Só o que sonhavam era em chegar em paz nos seus lares. Se é que todos tinham um. Espero que sim. Nem todo mundo tem onde mora. Não é todo mundo que pode chamar sua casa de lar. Há sempre aqueles que não são bem vindos. 
  O que pensava cada uma daquelas massas cinzentas? Percorrendo a crosta fina de um asfalto mal feito, caçavam esperança. Quem sabe? Freud diz que temos pulsão tanto para viver como para desejar morrer, para se destruir. Por que alguém ousaria desistir de viver? Para este, não é uma desistência em si, mas uma fuga, um falso refúgio de uma agonia que acha que não terá fim.
  Não sabemos quem está bem ou não. Podemos apenas especular. Suposições fracas baseada em uma imagem pincelada através de esparsas olhadas. O essencial é invisível aos olhos, diria o Pequeno Príncipe. Se assim o for, vivemos em um mundo de cegos, tão cegos como na epidemia contada por José Saramago.
 Meus pensamentos estão voando perdidos. Parece que sempre perco o fio da meada. E de uma calçada limpa, começo a discutir com meus botões sobre os jogos do clássico SuperNitendo. De fato, pensamentos perdidos. Estaria eu fugindo de um raciocínio mais apurado? Talvez. Era preguiça? Muito provavelmente.
  O clima não ajudava. Sem ar-condicionado, nosso equilíbrio térmico dependia unicamente da brisa que vinha das janelas. Já nossa sanidade, dependia do que víamos lá fora, pois daqui de dentro pouco ou nada esperávamos de bom ou de novo. Talvez uma desesperança com o próximo, pois, afinal, o melhor sempre está além do nosso horizonte, da nossa vista fraca.
  Encostei a cabeça no vidro temperado. Resistente ao tremor constante do veículo, com parco escurecimento, permitia que o som penetrasse sem grande dificuldade e dilacerasse meus pensamentos. Dramático, como alguns dizem que sou, resmungava e caçava outro canto para me sentar. Sempre erro na escolha do lugar. Nunca sei de onde a estrela do dia vem e para onde ela vai. Do meu ponto de vista, sua dança diária não tem nada de regular.
   Desço. Olho vagamente para as janelas que agora se vão. Elas refletem meu rosto nos olhares perdidos dos que, por uma razão ou outra, curiosidade ou falta do que fazer, a mim observam. Estariam tentando imaginar minha história? Dai, fico a pensar: quantos eus foram criadas sobre mim nos olhares dessas janelas ambulantes?



 
 

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