Café com Tapioca


De Alexandre Valério Ferreira

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Não gostava nem de café nem de tapioca. Mas, lá estavam eles, juntos. Por falta de opção ou de como sair sem ninguém me ver, comecei a mastigar aquela massa branca feita de goma. O líquido quente de tom escuro descia cruelmente em minha boca.
   Tão dramático quanto minhas palavras, eram minhas expressões faciais. Mas, eu tinha de disfarçá-las. Estava na casa dos meus avós e não poderia fazer essa desfeita com eles. Ou, pelo menos não achava outra maneira de me sair daquela torturante situação.
   Alguns dizem que eu sou "complicado" para comer. Estão certos. Eu o sou. Não gosto de chocolate, de refrigerante, de purê de batata, de couve-flor, de beringela, de carne mal-passada, de carne cozida, de peixe cozido e de tudo de carne que se faz na panela de pressão. Não consigo engoli-los. Eu literalmente vomito tudo.
   Olhava para os lados. Tentava encontrar um meio de jogar a tapioca fora. Mas, a janela estava longe. Não podia pensar em colocar no lixo, pois rapidamente descobririam, pois os orgânicos são dados para os porcos e o vô encontraria o alimento que eles apreciavam misturado com o que já não nos serve mais.
     Pensei até em colocar nos bolsos. Mas, me lembrei de um conto de Monteiro Lobato, em Cidades Mortas, onde um cara colocava um pedaço de fígado no bolso. Estava visitando os pais da namorada. Na hora de ir embora, a carne caiu e ele ficou mal falado por toda a vizinhança como um anormal e "morta-fome"
   Não queria isso para mim. Aqui é um vilarejo pequeno, uma cidade em tese. Logo, todos saberiam. Isso não seria tão ruim, se o whatsapp não tivesse facilitado o mundo da tagarelice. Eu estava perdido, de fato. Não tinha para onde correr. Só me restava comer e esperar a morte chegar.
   Para conseguir sobreviver, juntei a tudo isso a barra de cereal com cobertura de chocolate que eu trouxe. A cada mordida na tapioca, eu dava outra no cacau e depois engolia tudo com uma tragada de café amargo. Lenta e dolorosamente, consegui comer tudo, para alegria dos pais da minha mãe.
   Desprazer para mim foi, alguns minutos depois de sair da casa, colocar tudo para fora e tornar a ficar com fome. Assustados, meus primos pensavam que eu estava doente ou que sofria de anorexia. Não era nem um nem outro. Eu só era "fresco" com comida, conforme alguns diziam. Será que alguém entende?






 
 

 
 

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