Diário da Farmácia
Farmacêutico. Foto: http://blog.newtemp.com.br/wp-content/uploads/2013/03/importancia-ar-condicionado-farmacia.jpg |
De Alexandre Valério Ferreira
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Sou farmacêutico, pelo menos oficialmente. Na prática, sou muito mais do que isso. Eu me sinto como um garçom das lojas de remédios. Ou seja, eu faço de tudo um pouco. Deveria ganhar um pouco mais por isso.
Para começar, sou tradutor. Mais do que isso, preciso saber descriptografar todas as mensagens secretas que os médicos persistem em denominar de receitas médicas. De caligrafia péssima, sou obrigado a forçar a vista e desperdiçar o meu tempo na tentativa de traduzir aqueles garranchos.
Devido à má qualidade do atendimento de saúde público, não é raro vir alguém a minha procura antes de correr para os hospitais. Sou o mediador. Se o caso for sério, digo para ir direto para lá. Se não, passo alguma vitamina, pomada ou xarope. Costumam servir. Em alguns casos, uma injeção resolve tudo. Essa é a realidade.
Sempre aparece um que não tem condição de pagar uma consulta e me procura. Deseja um conselho para tratar determinado problema de saúde ou fortalecer o organismo. Visto que sou a pessoa mais instruída em saúde acessível nos próximos 4 quilômetros, sou o primeiro a ser procurado.
Eu tive de atender os mais variados casos. Ataques alérgicos, pneumonias, coceiras, febre alta, vômitos e até calvice. Alguns pensam que temos solução para todos os problemas. Talvez nos imaginem como alquimistas ou algo assim. Mas, não somos, desculpe dizer.
Já apliquei diversas injeções. Mas, sou mais que farmacêutico nessas horas. Sou médico e enfermeiro. Muitos profissionais não informam que deve-se fazer o teste de alergia antes de aplicar algo.
Nem lembro de quantas vezes tive que testar em crianças e acabei verificando que o medicamento receitado poderia causar um choque anafilático no bebê e levá-lo a morte. E os que não o fizeram? Não quero nem pensar.
Atender na farmácia é conhecer o perfil da vizinhança. É saber que mente sobre o real motivo de seu problema de saúde. Alguns tem vergonha de contar. Também é compreender o progresso dos pequenos e já saber de cor o que eles podem ou não tomar.
Ser farmacêutico às vezes é ser garçom. É tentar consolar as almas desanimadas. Acho que deveria ter feito psicologia. Aconselho e explico como prevenir determinados problemas. Acabamos nos tornando amigos das pessoas do bairro.
Ser farmacêutico pode ser exercer papeis que são responsabilidade de outros, mas que a curto prazo, nada poderá ser feito para mudar. É uma luta entre ética, razão, emoção e, em alguns casos, ganância.
Não raro, alguns procuram vender produtos inúteis ou de poucos efeitos para os clientes. Agem de má fé, aproveitando-se da condição fragilizada dos que vão às farmácias ou do status que a nossa profissão nos dá.
Não sou desses caras. Faço meu papel. Não queria exercer atividades além da que me exigida. Não recebo mais por isso. Entretanto, não consigo deixar de agir assim. As pessoas necessitam. Espero que um dia isso mude.*
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*Apenas ressaltando: história completamente fictícia.
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