Diário do analfabeto

Analfabeto. Foto: http://www.grupoescolar.com/a/b/95478.gif
  Querido diário, não sei escrever. Mas, se eu pudesse escrever, diria que estaria feliz em poder fazer isso. Tenho 67 anos e nem mesmo nos 9 meses dentro da barriga da minha mãe foi tranquilo. A pobre tinha que trabalhar e não tinha direito a nada. Ganhava uma merreca, mal dava para comer. Como não era suficiente, ainda tinha mais 4 filhos. Mesmo assim, de certa forma fui feliz na infância.
  Na infância quase sempre somos felizes. E é por uma razão simples: somos livres para sonhar e não nos escravizamos à ansiedade que vai nos atormentando na fase adulta. Eu me considero culto, não de palavras, mas de ideias. Se eu fosse mais sabido, seria um Patativa do Assaré. Este é um exemplo de alguém culto, que mesmo com todos os poréns e a falta de instrução, é considerado mais instruído que muito universitarios por ai. 
  Nunca fui na escola. Aliás, minto, fiz uma escola, quando fui pedreiro... Construí algo que nunca tive acesso. Era particular. A pública era péssima. E eu tinha medo. Dizia que tinha valentões. Eu não queria ser espancado. Então, logo cedo fui trabalhar. Para ser sincero, essa escola eu só vim a conhecer aos 14 anos. Antes disso, só havia uma pequena escola, a bem dizer uma creche, a cerca de 6 léguas de nossa casa. 
  Eu tinha que sustentar a família. O dinheiro era poco e nem nós quatro juntos dava conta do recado. Ganhávamos pouco, muito pouco. Queria fazer faculdade e ser veterinário. Mas, nem que eu tentasse seria possível passar. Meu conhecimento era pouco, mais fraco do que caldo de bila.
  Pois bem, caro diário, desejaria escrever em suas folhas. Queria segurar essa caneta de tal forma que gerasse letras, palavras, frases, ideias, textos. Mas, de minhas mãos só saem rabiscos. Quem sabe um dia inventem uma caneta eletrônica que possa ler nossas ideias e pô-las no papel? Eu sei, eu sei. Era mais fácil eu aprender a ler. Mas, dá preguiça nessa idade. Deixa para os netos.


Alexandre Valério Ferreira



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