Janela de Uma Cicatriz


De Alexandre Valério Ferreira

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A dor some (ou, pelo menos finge que). Mas, ela deixa uma marca, uma cicatriz. E a que fim ela existe, senão fazer com que revivamos aquele momento que a criou? Sinais físicos e psicológicos que se enraízam nas lembranças do que não existe mais.
  É complicado lidar com uma cicatriz. Dependendo do trauma, ela pode ser especialmente dolorosa, mesmo não causando dor alguma. A questão e atemporal. Nosso íntimo não reconhece o tempo. Este não existe para ele. Tudo é agora. Tudo aconteceu, acontece e acontecerá. 
  Sofremos, portanto, pela dor de pensamentos velhos que nos atormentam. Os excessos de projetos e medos do futuro também se materializam por meio da ansiedade. Eles não existem em si, mas são reais na medida em que pensamos neles. Estranho, mas é o que acontece.
  A cicatriz é uma lembrança forçada. Ela não está lá por vontade nossa. Na verdade, sua existência é incômoda. Persistentemente, tenta nos forçar a reviver algo. Sim, ela tem vida própria, habita no íntimo do meu inconsciente. 
  Viver com a cicatriz é difícil. Alguns questionam sua existência. Dizem que é fruto da nossa imaginação. Outros, alimentados por um sadismo cruel, tocam a ferida a procura da dor, não deles, mas do outro. 
  Saber lidar com a cicatriz é essencial. É preciso, antes de mais nada, reconhecê-la e aceitá-la. Negação apenas fortalece a angústia. No momento em que a vê como real, pode ser que tomemos consciência de seu tamanho.
  Talvez seja menor do que imaginamos. Talvez já tenha sumido! Temos que olhar para nós mesmo. Viver com ela pode ser viver um passado. Mas, pode ser também uma forma de construir um novo futuro. Como assim?
  Guerreiros do passado se orgulhavam de suas cicatrizes. Por quê? Eram símbolos de suas vitórias. Representa mais uma batalha na qual retornaram vivos. É o preço que se pagava pela guerra. 
  Não vivemos uma guerra literal. Mas, é comum nos machucarmos emocionalmente. Em alguns casos, de forma muito dolorosa. E as marcas ficam. Podemos aprender com elas ou podemos deixar que elas nos dominem. O medo cresce e se torna em vergonha, culpa e remorso. 
  O medo não constrói nada, apenas derruba. A cicatriz é a cicatriz. Você pode definir o que ela vai se tornar. É difícil porque envolve uma dor que reverbera ao longo do tempo. Mas, se você sobreviveu ao que a causou, com certeza será capaz de sobreviver com ela também.

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