Janela do Alto


De Alexandre Valério Ferreira

  Era o vigésimo terceiro andar. A vista era incrível. A brisa, maravilhosa. O silêncio, encantador. Tudo me atraía àquele apartamento. O medo de altura não me impediu de comprá-lo. Eu gostava do medo.
  Dizem que não temos medo de altura. Na verdade, temos medo de cair. Talvez estejam certos. De qualquer forma, eu estava aqui. O mundo estava lá embaixo... distante, silencioso. Apartado de minha existência e eu da deles.
  Cada degrau que eu subia, cada andar que eu ultrapassava, era um nível mais próximo do céu e mais longe da Terra. Engraçado a dialética do ato de subir. Esses paradoxos (ou complementos) me encantam.
  Do alto, o mundo seguia calmamente. O movimento dos corpos parecia mais lento daqui. Dirigir a 80 km/h vistos daqui e do solo era totalmente diferente. A Terra girava em outra velocidade para mim. Até a gravidade era diferente.
  Apesar do medo de altura, eu insistia em olhar para baixo. Dizem que fazer isso aumenta a angústias dos que tem minha fobia. Para mim, eram momentos de contemplação. Parecia que eu deixava de observar pessoa por pessoa e passava a notar comunidade por comunidade. 
  Os humanos se tornavam conglomerados e as ações conjuntas tinham mais impacto do que o individual. Uma pessoa andando na calçada era aparentemente insignificante visto daqui, mas uma multidão em manifestação gerava uma impressão bem diferente. Pareciam formigas unidas por uma causa comum.
  Assim, da janela do alto, eu me tornava uma espécie de sociólogo. Não um profissional com capacitação para analisar profundamente minha civilização, mas como humano que, de uma forma ou de outra, precisa compreender como o mundo ao meu redor funciona. A vida é aprendizado. E entender a mim mesmo também envolve entender os outros.



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