Meditações da Mãe-da-Lua
Urutau. Foto: http://www.avespantanal.com.br/imagens/123%20-%20Urutau-grande/urutau-grande-65823-72.jpg |
De Alexandre Valério Ferreira
No orquestrar da noite, um canto triste, doloroso, completava a composição da escuridão. Assustando os supersticiosos, atraindo os curiosos, a mãe-da-lua entoava seu cântico pontualmente.
Durante o dia, ela não existia para o mundo. Era nada mais do que a extensão de um toco de madeira ou de um galho de árvore. Escondida à vista de todos, sua camuflagem iludia os olhares desatentos e mal-educados.
De olhos ilusoriamente fechados, o urutau olhava ao seu redor. Meditava estaticamente sobre a vida, o universo e o tempo. Sua reflexões eram de tamanha profundida que ocupava-lhe todo seu dia.
Apenas à noite, sua existência se fazia presente. Um canto triste e regular avisava a todos que agora era sua hora. Seus olhos, de um arregalar assustador e de órbitas exorbitantes, clareava sua visão diante da escuridão das horas.
Mãe-da-lua lamuriava para o astro branco. Este, nada lhe respondia, apenas clareava as matas e cintilava em seus olhares atentos. A madrugada era sempre um grande dia para o urutau. Encontrava o sentido no silêncio dos cansados e na boemia dos insetívoros. Ratos, cobras, corujas, felinos e besouros corriam loucamente procurando comida e morte.
A noite era o caos. Era um universo paralelo. Tão ou mais sábia do que as corujas, a mãe-da-lua resguardava sua cria nos tocos. Vigiava o mundo. Não queria a atenção dia, mas apenas do luar. Nele entoava suas reflexões. Alertava o mundo dos riscos e medos. Assustava os covardes. Ajudava os sabidos.
O urutau era realmente a mãe daqueles belos luares. As noites não eram as mesmas sem os lamentos daquela enorme boca que raramente se abria. Sim, sabedoria era saber quando falar e quando se calar. Disso o urutau sabia muito bem. Queria eu que alguns humanos entendessem tamanha sabedoria.
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