Cacarecos

Cacarecos. Foto: http://4.bp.blogspot.com/-NS8UC524CgQ/UJHgtA44BaI/AAAAAAAAGMg/G3loSimEs08/s400/caminhao-mudanca-6.jpg

De Alexandre Valério Ferreira



  Um caminhão chegava de carroceria cheia. Era mais uma família sem dinheiro vindo morar na vila. Os vizinhos daqui não são para a vida toda, como antigamente. Não, eles são de existência curta. Um mês aqui aparecem. Já um pouco depois, somem.
  É a triste rotina dos pobres que dependem do aluguel. No escurecer das horas, pegam seus cacarecos e somem como fugitivos. Já eram mais de seis meses de aluguel atrasado. Haveriam de pagar. Mas, diferentemente do seu Barriga, deveriam quitar toda a dívida. Não existia misericórdia.
  Como não podiam pagar, João reuniu a família e contou a decisão que tomara: sair de madrugada para outra moradia. Desta vez, dizia ele, era definitiva. Mas, todos sabiam que não era. Ele estava desempregado, vivendo de bicos. Não tinha dinheiro.
  Juntaram os cacarecos. Panelas amassadas, bonecas de pano, quadros pintados, frases nas portas, pedaços de eletrodomésticos, jarros e garrafas. Apesar de ser pouco, era muito, pois demorou mais de uma hora para terminarem o serviço.
  Por volta das duas da manhã, o caminhão chegou. A família toda ajudava a arrumar as quinquilharias na carroceria. As crianças, como sempre, viam aquilo como uma grande aventura. Talvez imaginassem que seus pais fossem viajantes, moradores ambulantes que não se aquietam no mundo. Quem sabe, nem era isso o que eles realmente pensavam? De repente, sabiam da tristeza dos pais e procuravam alegrá-los. Ninguém tinha certeza.
  A coruja sobrevoava a casa. Diziam alguns que era má sorte. Porém, todos no fundo sabiam que o problema não o pássaro que voava, mas o dinheiro que faltava. Gostamos de colocar a culpa em tudo, menos na origem dos males. É uma tola ilusão.
  O caminhão deu a ignição. Eles não tinham dinheiro para ir de ônibus ou táxi. Haviam de ir na carroceria também. Eram parte dos cacarecos. Junto com o cachorro, se misturavam às quinquilharias. Olhares vazios caçavam esperanças de um lugar melhor. Esperança... esta nunca morre.


 

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