O Trágico Condomínio de Quatro Andares
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De Alexandre Valério Ferreira
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Envelheci com ele. Fundado por volta dos anos 50, ele persistia e resistia. Localizado em um bairro importante da cidade, o prédio em que morava era pequeno, apenas 4 andares.
Foi um dos primeiros a serem construídos naquela área. Ficava perto da importante Avenida Pontes Vieira. A vista era privilegiada. Na época em que fui lá morar, o verde ainda predominava através das janelas. Os carros ainda eram poucos, mesmo já que já se exibissem nas ruas.
Os moradores eram, na sua maioria, de classe média alta. Éramos todos amigos. Alguns trabalhavam com negócios, vendas, comércios de médio porte. Havia um dono de uma gráfica.
No meu andar morava um funcionário público. Sua família era maravilhosa. Eu me recordo bem dos seus dois filhos, que eram gentis e educados com todos.
Todos se conheciam. O prédio não era um arranha-céu. Possuía apenas 4 andares. Não havia elevador. As escadas eram o único caminho. A conta de água era dividida igualmente entre todos. Não haviam hidrômetros individualizados.
Os anos, entretanto, foram se revelando difíceis para muitos de nós. O bolso começou a apertar. E viver em condomínio tem suas desvantagens. Parece que nunca somos donos de nosso apartamento, pois sempre havia a taxa de condomínio para se pagar. Não diria que era cara, mas a economia a forçava a assim parecer. De forma que muitos tiveram dificuldade de pagá-la com regularidade.
No começo, nosso prédio era vistoso, atraente, elogiado por muitos. Ao passar das crises, foi perdendo sua cor. As reformas foram se tornando mais esporádicas. Tudo era tão caro. Além disso, parece que uma onda de complicações derramou-se em cima dos moradores.
Diversos passaram dificuldades financeiras. Alguns tiveram seus negócios falidos. Tiveram que vender seus luxos para se manter naquelas paredes. Alguns foram demitidos e começaram a ter renda inconstante, acompanhando a personalidade do desemprego. A inflação também não tinha misericórdia.
Quando o Brasil ganhou a copa, parecia que todos os problemas sumiam. Doce ilusão. Como você nos enganou, Pelé! Os anos 80 vieram com os efeitos colaterais da ditadura. Arrocho salarial, inflação exorbitante, instabilidade econômica, recessão.
Não escapei e também passei pelo aperto. Sorte (se é assim que pode ser chamado) foi ter recebido uma herança dos meus pais.
O nosso bairro mudava de cara. Prédios enormes começavam a tomar forma. A selva de concreto crescia. E, com ela, a especulação financeira. Nosso pequeno prédio resistia vergonhosamente.
Suas paredes externas não sustentavam a tinta que desistia a cada ventania ou tempestade. As reformas eram esporádicas e paliativas.
O gigante se tornou um anão. Os custos do terreno cresciam desgraçadamente. Queriam nos expulsar dali. Éramos velhos. Estávamos em crise. Nossos bons moradores não eram mais da classe média alta. Não sabíamos mais o que éramos. Alguns tinham medo de saber.
Os anos tornaram os degraus pesados, cansativos. A ausência do elevador era lembrada a cada dor que sentia nos joelhos. Não éramos mais jovens. E os jovens de hoje não eram como os jovens de antes. Eram sedentários.
Falando neles, os filhos cresceram e a maioria foi morar em outro lugar. Um ou dois acabaram retornando ao ninho, depois de uma crise no casamento ou por causa do desemprego. Envergonhados, mas sem opção, estavam ali entre nós.
Era difícil pensar nos quase 70 anos que vivi naquele apartamento. Mas, uma hora ele se fadigou. Sofreu um mal de Parkinson e se tremia com regularidade.
A Defesa Civil nos forçou a desocupá-lo. Haviam muitos interesses de se fazer um enorme e belo arranha-céu. O problema é que não tínhamos recursos para nele viver. Era tão caro!
O que restou para nós, velhos que fizemos a história do nosso condomínio, era nos dispersar mundo afora. Assim, alguns de nós fomos parar no Sul do país e houve até quem ousasse viver no Paraguai, que parecia um Brasil nos anos 50.
Eu fui morar numa cidade periférica. Fortaleza me pediu para sair e eu reconheci que realmente precisava. Nosso prédio, por outro lado, ruiu sem dinamite. Já estava exausto. Vira coisa demais pela Avenida Aguanambi ou pela Avenida Pontes Vieira. Ao longe, com um pouco de esforço, ainda se via a BR -116.
As fotos, por outro lado, insistem em mantê-lo vivo. Aqui e acolá, ainda visito um dos meus ex-vizinhos. Quando se vive próximo de alguém por mais de meio século, os sentimentos são bem diferentes. Não se acabam com um clique. Não se desgastam facilmente.
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