Janelas Refletidas
De Alexandre Valério Ferreira
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O fusca refletia as janelas distorcidas. Todas eram de arquitetura colonial. Algumas, com esquadrias antigas. Outras, de alumínio e vidro (tendência na maioria das obras atuais). A última era de tijolos. Sim, não havia mais janela onde ela estava antes.
Era uma rua não muito pacata de Pacatuba. Carros passavam com certa frequência, dificultando a vida dos fotográfos e turistas. Coisa normal nas cidades é a ocupação dos carros, cada vez em maior quantidade, empurrando os pedestres para a sargeta.
Moradores e visitantes conversavam na porta de uma casa. Nesse momento, eu me senti realmente numa cidade interiorana. Afinal, no Brasil, as cidades demoraram para se desenvolver e ganhar força. Em geral, eram apenas arraiais, vilas, extensões dependentes do campo. A vida urbana é algo moderno.
As janelas compravam isso. Típico do Brasil, país amorfo e cheio de paradoxos, encontramos na pequena Pacatuba as marcas de um passado colonial, pacato, fruto da miscigenação entre índios e portugueses. Porém, o moderno também está presente, com o alumínio, o barato, o sem estética, os cartões de crédito, os fast-foods, as sacolas de plástico, as latinhas de refrigerante.
Lado a lado, vivem os antigos e os novos. Estes, sempre com celulares a mão, conectados a uma realidade virtual concreta. As ruas de paralelepípedos permanecem. São mais agradáveis de se andar. Menos quentes. Mais naturais. Menos cruéis com os nossos pés. Os antigos casarões, com seus detalhes estéticos e cores típicas, continuam de pé. Alguns, bem conservados. Outros, implorando ajuda.
As janelas estavam guiadas para a serra da Aratanha, que faz parte da cidade (ou cidade faz parte dela?). Alguns ipês amarelos davam sinais de vida em meio ao verde. Escondido entre as folhagens, restam pedaços do maior acidente aéreo do Ceará. Cerca de 137 pessoas estavam a bordo do voo 168 da VASP em 1982. Não chegaram ao seu destino. A serra, mesmo praticamente intacta, sentiu a dor do impacto.
Sim, das janelas de Pacatuba já viram muitas coisas. Invernos bons e fracos. Dias de chuva e dias de seca. Esse é o vai-e-vem do nordeste. Um clima tão paradoxal como o seu país e seu povo. Talvez nisso resida uma certa beleza.
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