Olho Mágico
Foto: autor. |
De Alexandre Valério Ferreira
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Batiam na porta. Quem seria? Respostas não haviam. Eu estava tão ocupado e ainda vinha alguém para me importunar. Será que não posso ter paz para viver estressado neste mundo não? Que atitude anti ética dessas pessoas. Sinceramente, não entendo porque vieram bater na minha porta esta hora do dia.
A persistência das notas metálicas do portão me obrigam a sair do meu quarto e a tirar meus olhos dos pixels do meu monitor. Desço as escadas com a maior desmotivação do mundo. Lá fora, o som continuava sem parar.
Por segurança, pergunto quem é. Não houve resposta. Silêncio. Seria alguma criança sem vergonha fazendo hora comigo? Espero que não. Já perdi muito tempo indo até aqui. Não tenho tempo a perder. Sou uma pessoa séria e tenho muita coisa importante para fazer.
Já ia retornar para meu quarto quando as batidas tornam a aparecer. Furioso, vou em direção ao olho mágico. Está sujo. Mas, quero ver quem é. Não vou abrir o portão. Não vou me arriscar. Vou, então, na cozinha e pego um pano e o molho. Passo sobre a lente e a limpo.
Quando olho através do olho mágico, me surpreendo com o que enxergo. Havia uma praia, ondas, banhistas, kitesurf, sol. Ham?! Onde eu estava? O que era aquilo que refletia em minha retina? Não era possível! Era o mar!
Procuro o feixe das chaves e, nervosamente, procuro a que servia para o portão. Nenhuma servia. Meu Deus, cadê essa chave?! O que é isso? Preciso ver o lado de fora com meus próprios olhos. Mas, onde estavam as malditas chaves?
Eu procuro loucamente na sala, jogando tudo que pudesse jogar a fim de liberar minha ansiedade. Até que resolveu, pois fiquei ainda mais ansioso. Fui no quarto e nada. Nada! E agora? Pular o muro não dava; era muito alto.
Torno a olhar através do olho mágico. Bola, frescobol, camarão, guarda-sol, surfistas. Onde eu estava? Como era possível existir uma praia em frente minha casa e eu não saber? Estaria ficando louco? Sempre fui, mas a coisa parece que estava piorando.
Parei e procurei pensar com calma. Mas não dava. Simplesmente havia uma praia logo atrás dos meus portões quando deveria existir asfalto, concreto e antenas. Como explicar isso? Como entender o que não dava para ser explicado? O mais racional era admitir minha esquizofrenia. Sim, eu perdera a noção da realidade e precisava de ajuda para lidar com isso, senão faria alguma coisa perigosa.
Por outro lado, há maior perigo do que a existência? Afinal, basta estar vivo para morrer. Viver é um eterno risco. Não deveríamos pensar nisso. Acentuamos perigos onde não há e camuflamos os que realmente existem.
Do olho mágico eu via uma praia, mas da janela do meu quarto eu só via os prédios. Como explicar? Como entender? Teria de aceitar a insanidade de forma racional? Talvez. Viver a dualidade da contradição. Elas habitam juntas, apesar de cancelarem uma à outra, pela minha lógica racional. Não entendo. Talvez não devesse. Quem sabe dessas coisas?
Tive então que me acostumar com a janela urbana e o olho litorâneo. Em um eu via a "realidade" e no outro eu via a "realidade". Todos eram visíveis, audíveis e comprováveis, porém, completamente excludentes: ou era um ou era outro. Viver a dualidade existencial era uma loucura. Viver é coisa complicada.
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