Diário de uma cidade morta

Cococi, Ceará. Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgaBg8g_IDvVG8lHdZhllXDIMZWiK-i11iqzXt_AdrvdPotrj_nn8jmbZK7IuPAi3qV4kNcamKH95NNmMu_5V8LOOw5-5kqKhZkCviu5NF0Sq2EDVxzGvWxWijbp0plcRU719I0bmjkbi-a/s1600/COCOCI+-+ruinas.jpg
  
Eu não era a mais imponente das cidades. Não tinha arranha-céus nem museus de arte moderna. Talvez você queira me procurar num mapa. Provavelmente não encontrará. Mas, não desista. Vá na internet e pesquise e encontrará minha localização. Não a exata, mas aproximada. Tudo bem. Eu entendo. Você encontrou onde estou, mas não existe nada, não é?
  Pois é. Eu não tive a sorte de outras cidades. Não cresci. Tudo começou em uma fazenda. Esta fazenda cresceu e se tornou um povoado. A partir daí, começo a ter lembranças da minha vida. Aqui é tudo muito quente. Água é o ouro transparente, é rara. Mas, a vida aqui parecia que ia bem. Porém, eu não crescia muito. Era sempre pequena. Aiai...como eu queria ser uma cidade grande, uma referencia para o estado e, quem sabe, para o mundo! Como sou sonhadora...
  Pena que sonhos são apenas sonhos (é, eu sei, todo mundo sabe disso). Mas, não custava nada pensar em uma vida melhor. Mas, eu não tive sorte. Nasci no meio do nada, nas terras perdidas do sertão central do Ceará. E, como a maioria das minhas vizinhas, fui esquecida pelo poder. Abandonada. Não trazia grande lucro. Mas, um dia cresci. E cresci a ponto de ser considerada município! Foi uma alegria imensa! Já era um passo e tanto! Agora é só captar mais recursos e em breve me tornarei uma referência.
  Realmente cresci. Havia fábrica, escolas e tudo mais. Porém, a vida veio me pregar um peça. Só fez me iludir. A corrupção destruiu minha esperança. Fui castigada perdendo o privilégio de ser um município emancipado. Que dor, que dor! Como pode?! Tudo culpa da corrupção. Que triste ilusão! Nunca serei uma metrópole? Que tristeza...
E o castigo me trouxe mais que dor. Ele me arrancou a força motriz. Toda uma família que praticamente mantinha o povoado foi embora. E com eles, todos os meus recursos. Adeus sustento. Adeus emprego. Adeus progresso. E aos poucos, fui sendo esquecida, abandonada por aqueles que por tanto tempo procurei resguardar. Fiquem! Fiquem! Vamos lugar, vamos crescer! Eu tentei, mas não adiantou.
  Agora, estou solitária. Restam com minha solidão, os poucos solitários que [sobre]vivem nesta imensa sequidão. Estou morrendo. Estou moribunda. O mato e o vento fazem o seu papel de me derrubar dia a dia. Serei algum dia lembrada? Serei algum dia importante para alguém? Sinto que a resposta é não. Mas, deixarei meu esqueleto como prova viva de uma esperança que nasceu na caatinga do Ceará.



Alexandre Valério Ferreira




Comentários

  1. As vezes o que morre serve de lição...não dá pra voltar...mas dá para não ir...

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