A última arraia


  Alguns chamam de "pipa", mas aqui eles chamam de "arraia". Talvez esse nome seja uma associação com as arraias de verdade, um tipo de peixe. Muitas crianças da periferia brincam de empinar pipa nas férias. Realmente, é uma brincadeira muito divertida. E, como não podia ser diferente, Pedro também gostavam. Mas, tinha um porém: ele não sabia.
  Assim, ele passava os dias de férias ajudando aqueles garotos mais velhos, que tinham jeito com as arraias. Eles preparavam o cerol, que é um fio contendo cacos de vidro colado. O cerol era essencial para cortar as linhas das outras arraias. E quem pegasse uma arraia perdida se tornava automaticamente dono dela. Difícil era Pedro conseguir pegar uma... Afinal, eram dezenas de crianças correndo loucamente por uma pipa colorida. Arriscavam suas vidas em meio a ruas movimentadas e muros altos.
  A mãe de Pedro não permitia que ele brincasse de empinar pipa. Ela achava perigoso. E realmente era. Criança brincando de arraia não tem noção de mais nada a seu redor. Ficam olhando fixamente para o céu, sem notar o mundo ao seu redor. Parecia que a vida deles estava lá no alto, voando a dezenas de metros. Sem contar os fios de alta tensão, que poderiam lhe causar um choque.
  Pedro só olhava. Queria muito saber empinar, conseguir cortar linhas, vencer. Parecia algo incrível. Parecia que eram eles que estavam lá no alto, voando. Pedro só ajudava na preparação do cerol ou na obtenção de material. Ele trabalha junto com João, seu vizinho, cujo pai este não conhecia. João nunca deixou Pedro brincar com a pipa. Pedro só ajudava segurando o carretel ou preparando o cerol. E, quanto Pedro ia tentar, a sua mãe gritava de longe, proibindo. Era impossível não ouvir!
  Um dia, porém, Pedro teve a chance de dominar uma arraia. Seu "sócio", João, conseguiu cortar a linha de um bela arraia. Essa arraia era diferente: tinha cores vivas e um desenho de águia no meio. Nunca se viu nada igual! Pedro ficou admirado e queria ela para si. Correu como nunca e tentava alcançá-la. Olhava apenas para ela, fixamente. A pipa foi em direção a uma linha de distribuição de 69kV (69.000 Volts) e ficou presa lá. Mas, sua linha ficou na altura do chão, bastando alguém puxar para retirar a pipa do alto. Seria fácil puxar...
  A mãe de Pedro vê a multidão de crianças gritando na rua. Procura por Pedro, mas só vê João. Onde estaria Pedro?! Meu Deus! Ouve-se choros! "Alguém morreu eletrocutado! Alguém morreu eletrocutado!" Avisam alguns. Começa a se aglomerar muita gente. A mãe de Pedro tem dificuldade até chegar ao local e já esperava o pior...estava em prantos. Para sua surpresa, a mãe da criança que morreu já tava lá! Então, não era Pedro?! Onde estaria Pedro?!
  Lá se estava ele, na calçada. Estava com os joelhos ralados, sangrando. Estava VIVO! Ela abraça ele com força! A emoção é grande. De fato, Pedro teve sorte. Quando estava correndo para pegar a arraia, ele esqueceu de olhar para o chão e tropeçou em uma pedra. Assim, outro garoto ultrapassou ele. Depois, aconteceu o que aconteceu.
  Pedro ainda gosta de brincar na rua. Mas, nunca mais ousou brincar de pipa ali na periferia. Faltava opção de lazer, é vera. Não haviam praças, muito menos parques. Porém, havia uma alternativa. Sua mãe decidiu levá-lo para a praia todo fim de semana, onde ele poderia empinar pipa tranquilamente. Pedro continua TENTANDO empinar pipa, não aprendeu muita coisa, é meio desastrado. Já perdeu várias delas no mar. Mas, quem disse que pra brincar tem que ser tudo perfeito?


Alexandre Valério Ferreira

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