O menino do bar

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De Alexandre Valério Ferreira

  Havia numa esquina um bar muito frequentado. Era pequeno, mas os preços agradavam os clientes. O dono era um senhor de 35 anos. Ele tinha um filho. Este, vez por outra, o ajudava no balcão.
  O menino sofria de um terrível dilema. Na verdade, ele não conseguia entender bem a realidade em que vivia. Ele sentia culpa e ao mesmo tempo piedade. Em alguns momentos pensava na família. Já em outros, nas famílias dos clientes.
  Ele percebeu logo que o que seu pai vendia era uma espécie de veneno. Mas por que alguém decidiria tomar veneno? Pela mesma razão de sempre: para fugir de algo. Tinha os que fugiam das dívidas, dos problemas com a família, das traições e das decepções.
  Em cada gole, mais distante da humanidade o cliente se enveredava. Alguns, chegavam em tal nível, que pareciam zumbis. O garoto já não sabia se eles estavam vivos ou mortos. Talvez, para eles, isso já não fizessem grande diferença.
  Um dia ele resolveu questionar seu pai sobre suas inquietações. De forma simples, este lhe disse que as pessoas são responsáveis pelas escolhas que fazem. Ninguém é obrigado a estar ali. Ele não é culpado pelo mau uso que alguns faziam das bebidas alcoólicas. 
  De uma certa forma, o menino sabia que seu pai estava certo. Além disso, aquilo era a principal fonte de renda da família. E os tempos estavam difíceis: inflação, crise política, pobreza em alta. Percebera, entretanto, que a vida sempre tinha desses momentos de desesperanças.
  Assim, o menino não tirava a questão da mente. Não entendia como seu pai mantinha a consciência dele limpa por ver tantas pessoas se degradando, degenerando-se, fragmentando-se, bem na sua frente. Alguns matavam; outros, morriam. Alguns espancavam; outros, eram espancados. Tudo no mesmo lugar. Tudo diante de seus olhos. Apenas seu pai que lucrava.
  Doía saber que seu material escolar, seus brinquedos, suas roupas, enfim, tudo que possuía era o lucro da venda de uma arma de autodestruição. Seu pai tentou ajudá-lo. Afirmou que outros vendiam facas, mas alguns as usavam para o bem ou para o mal. Mesmo assim, os produtores não eram culpados por isso.
  Tal argumento deixou o garoto mais confuso ainda. Talvez, até mais decepcionado. Não era a mesma coisa, evidentemente. A faca não vicia alguém a matar nem a cozinhar. Ela não afeta a mente, as emoções e o comportamento das pessoas. A faca apenas segue a direção que seu dono decide. É apenas um objeto inanimado.
  Com a bebida, a situação é diferente. Ela não é apenas uma ferramenta. Não é apenas um alimento. Ela altera as pessoas. Traz uma agonia disfarçada de alegria e prazer. E os que dela faziam uso na verdade se tornavam escravos dela. Eles sentiam dependência dela. Como isso poderia ser comparado com a venda de facas, armas ou seja qual for outra ferramenta? Não! Ele não seguiria o caminho de seu pai.
  Sabia, por maturidade e observação, que seu pai jamais mudaria. Também se tornara escravo da bebida. Dependia dela para se sustentar. Por outro lado, esse garoto escolheu outro caminho. Decidiu virar psicólogo. 
  E não é que ele se formou mesmo? Logo se especializou na área de estudo sobre os alcoólatras. Começou a viver de descobrir como ajudar a compreender as causas e como tratar quem é dependente alcoólico. 
  De vez em quando ele visita o seu pai. Este ainda tem um bar. Agora, eles trabalham em lados opostos dessa guerra. Mesmo assim, ele decidiu amar seu pai. Não podia odiar. Talvez seja o ódio uma das causas do alcoolismo. A falta de amor próprio, pensou ele. 
  Ele estava feliz, de certo modo. Não se tornara dependente de nada. Não precisava. Dependência são necessidades que criamos. Nem sempre é às bebidas. Pode ser vício aos jogos, ao consumo exagerado ou à internet. Sempre fugas, sempre o medo de lidar de frente. E da alegria fazem suas correntes. Que irônico...


 

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