Entre eu e eu


De Alexandre Valério Ferreira

O MAIS DIFÍCIL dos encontros, foi quando um dia, finalmente, encontrei-me em mim de fato. O evento - antes tão impensado e distante - tornava-se, então, uma realidade. Mesmo que a depender do meu empenho, estar face a face comigo mesmo foi uma das mais fortes experiências que já tive.
   Enxergar a si mesmo é complicado. Vivemos fugindo desse encontro. Disfarçamo-lo. Sabotando-o. Enganamo-nos. Dizemos que somos nós mesmos quando, na verdade, somos apenas uma criança amedrontada tentando montar uma máscara para agradar os outros, aterrorizada com o risco de ficar só, considerada a maior das dores.
   Somos seres sociais, de fato. Isso é inegável. E temos papeis sociais: maridos, esposas, pais, filhos, chefes, empregados, amigos, dançarinos, engenheiros, ajudantes, etc. Somos várias coisas e uma só ao mesmo tempo. A vida é assim mesmo e nada de mal existe nisso. É até preocupante quando assim não o é.
Existe, porém, um eu interior. Uma vida de mim para mim. Um olhar para dentro. Ele é assustador, pois estamos completamente nus lá no fundo do ser. Sem máscaras, encenações, arquétipos, bastidores. Estamos ali e é o meu eu interior e nada mais.
   Esse Eu está ali cheio de sonhos, medos, crenças. Às vezes, tenta se proteger do mundo, odiando-o. Em resultado, é agressivo. Em outros momentos, decepciona-se com a realidade e, para evitar a dor da frustração, renega o próprio viver para ilusoriamente tentar salva o seu bom viver.
   Olhar para o seu Eu interior não é fácil. Tentamos fugir disso. Olhamos muitas vezes para aquilo que queremos ser para os outros. E quando pensamos que nos encontramos, na verdade, só é um dos nossos papeis desse teatro chamado realidade.
   É preciso reconhecer-se, aceitar-se, concordar que você é isso e  que a vida é essa. Ser realista. A partir daí, construir um Eu interior melhor e, com isso, ser um humano transformador no mundo. Tudo que reside no nosso íntimo, de uma forma ou de outra, ecoa no mundo exterior ao seu eu interior. 
   Como um cão que viveu trancafiado e se torna agressivo, talvez, para evitar a dor da mágoa, criamos uma parede defensiva com uma máscara de rigidez, de seriedade, de indiferença. Sim, a vida imita a arte. Imitamos cenas sem entender que os papeis da vida real precisam ser sentidos em toda sua essência, construídos de dentro para fora, e não o oposto.
   Não tente fugir de si mesmo. Alguns vivem de eventos, bebidas, fones no ouvido, redes sociais, vícios para não olhar para si. E só quem pode entender e mudar esse interior é você mesmo. Em alguns casos, com auxílio de uma psicoterapia. Ainda assim, sempre é você que tem que abrir a porta.
   Nesse sentido, é sempre bom meditar. Parar, respirar calmamente, seguir um ritmo oposto ao predominante no mundo atual. Conversar consigo mesmo. Negociar com seu eu interior e, dessa forma, construir-se no mundo. O encontro consigo mesmo é vital para o contínuo bom viver.



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