Mala & Cuia



NÃO era bem como havíamos sonhado. Sair de repente, sem avisar a ninguém, de madrugada. Mas, não havia outro caminho. Devíamos alguns poucos, mas suficientes, meses de aluguel. Porém, não existia uma alma que precisasse quitar um centavo sequer conosco. 
   Enchemos as caixas de quinquilharias. Infelizmente, era poucas. Assim, perdíamos menos tempo. Era fuga? Levando em conta que fizemos tudo entre a meia-noite e o nascer do sol e reduzimos ao máximo qualquer barulho que chamasse atenção, então, sim, estávamos em fuga.
   Morar no interior é coisa complicada. Normal por aqui é ser ambulante. Fugir de lá para cá e, por mudanças das eras, também correr de cá para lá. As condições exigem. A plantação vai mal. A cidade (se é podemos chamar aquilo de cidade) não tinha serviço. 
   O gato, animal preguiçoso e adaptado ao local e não às pessoas, teve de ser encarcerado. Minha filha não o largaria por aqui. Utilizamos a gaiola do periquito da caatinga que morreram a alguns meses. Evidentemente, o sábio felino não adentrou com facilidade na estrutura de metal. Mas, quando lá se confinou, não fez mais nenhum "piu" (que irônico). 
Por aqui viajar é assim: ir em cima de pau-de-arara para o centro administrativo e, de lá, pegar o que nos permite para outras paragens. 
   O transporte é escasso. As pessoas, também. Ficamos, portanto, a mercê dos motoristas que esperam até que o veículo fique lotado. Na cidade, a coisa é parecida. Só tem uma empresa de ônibus e esta permite que as pessoas viagem em pé. Infelizmente, não aceitam gatos ou galinhas.
   Até pensei em jogar o bichano que nos empalhava. Mas, Jéssica, minha filha, não deixou. Tivemos que esperar, portanto, pelas topiques. Estas, se aproveitam de nossa necessidade, e saem na hora que querem. Param onde querem. Fazem o que querem. Em compensação, permite que levemos gatos e galinhas. 
   A van não tinha cinto. Segurança vinha em último lugar. A vida no interior é um eterno risco de morte. Se você não tem carro e dinheiro, tem uma enorme luta pela frente. Tem lá suas vantagens. A calma e a lentidão alegram o coração de alguns. 
   Queria ficar dessa vez. Havia me acostumado com os vizinhos, com a rotina, com o cheiro do lugar. Sabia onde vendia verdura barata e a bodega deixava eu comprar fiado. Mas, os tempos exigem que nos movamos. 
   O motorista liga a van. Está lotada. O cobrador, sujo e enxerido, vem nos cobrar. O preço aumentou. Que ótimo. Sentamo-nos. Olhamos para a janela. Partimos. E assim, fugimos com mala e cuia dos cafundós do Judas em direção de onde o vento faz a curva.


De Alexandre Valério Ferreira 

Comentários

Veja também