Feitos de Porcelana

Imagem: http://studioyume.it/2016/05/10/kintsugi-un-vaso-rotto-sara-piu-bello/



PARECIA lógico que havia apenas uma coisa a fazer. Juntar todos os cacos de porcelana e tentar reconstruir o vaso tal qual ele era. Voltar ao estado original. Mas, a natureza nos ensinou que não tem como voltar no tempo. É tudo um novo processo, um novo estado; o mundo é uma metamorfose ambulante.
   Os japoneses, há muito tempo, desenvolveram uma técnica chamada de kintsugi. Ela significa basicamente "reparar com ouro". Quando um vaso  de porcelana se quebra, preenchem os espaços entre os cacos com o material precioso. No final, o vaso não é mais como antes. É melhor, mais belo.
   O conceito do kintsugi trás grandes lições para todos nós. A tendência natural é negar o que aconteceu e voltar ao que era no passado. Talvez, achemos que seja melhor apenas usar cola especial e juntar os pedaços de porcelana, recriando o jarro. Mas, é uma ilusão, pois, segundo o princípio da entropia, o universo tende à desordem e nunca dá para voltar ao estado anterior. É sempre um novo. Então, o que chamamos de vaso restaurado, na verdade é um outro vaso.
   Porém, um vaso restaurado da maneira habitual não tem mais o brilho de antes. Parece que ele se condena, pois acentua as falhas, as imperfeições. Esse vaso não conseguiu aceitar as mudanças e, ao agir assim, viverá numa eterna angústia fingindo para si mesmo que nada mudou.
   Ao usar a técnica do kintsugi, aceitamos a metamorfose da vida. Reconhecemos as mudanças, aceitamo-las e nos adaptamos a elas. Mas, não fazemos com desgosto, mas com alegria, pois entendemos que algo ainda pode ser feito. O resultado é um vaso muito belo. E a imperfeição, ao invés de se tornar motivo de vergonha e uma eterna maldição, aparece como uma peculiaridade e um aspecto que define aquele vaso como único. Afinal, rachaduras nunca são idênticas. São como digitais.
    Podemos cobrir com ouro nossas imperfeições. Como? Da mesma forma que fazem com os jarros de porcelana: reconhecendo, aceitando e se adaptando. Reconheça que você errou. Somos todos imperfeitos. Você vai errar alguma vez, é inevitável. Aceite isso e não tente fugir da realidade. E se adapte. Tente enxergar as falhas com outros olhos. 
   Por exemplo, um mico que você passou num seminário importante pode se tornar um eterno motivo de tristeza. Tudo depende de como você lidará com os pedaços do seu ser que sobreviveram ao "acidente"
    Se você reconhecer que, como qualquer ser humano, você tem qualidades e defeitos e que nem sempre estamos num dia bom; se, além disso, aceitar que as coisas erradas acontecem com qualquer um; se você enxergar isso de forma positiva, talvez tirando uma lição para novas situações ou achando graça do próprio erro. Então, conseguiu usar a técnica do kintsugi no vaso de porcelana que é o seu eu
   Ao aceitar com mais naturalidade suas falhas, as pessoas se concentrarão menos nelas. Perceberão que aquilo não te machuca. Perceberão que você é mais forte do que parece. Também reconhecerão que é imperfeito também e, talvez por isso, sentirão empatia e se identificarão com você.
   Daí, ao invés de ficar remoendo o que está errado, você e os outros se encantarão com o novo estado de coisas. Seu amadurecimento diante das dificuldades reluzirá como o ouro do kintsugi. As falhas estarão lá, não mais como dor e sim como parte da criatura em desenvolvimento que você.


De Alexandre Valério Ferreira


 
 
 
 

 

Comentários

Veja também