A Rádio


________________________________________________


OUVIR rádio no ônibus é como inserir uma trilha sonora em nossas vidas. Nem sempre é interessante. Mas, de vez em quando, as melodias penetram fundo em nossas realidades e nos fazem aperceber que nossos dramas não são tão nossos como imaginávamos. 
   Meu caminho é cada manhã. Não procure saber onde estou... Assim tocava durante meu percurso para a faculdade. Era uma música do Capital Inicial. Se já tinha ouvido antes, não lembrava mais. Parecia que aquela canção vinha sempre na hora certa. Se eu não fosse obrigado a ouvir a rádio do motorista, quando ouviria essas melodias?
   Não procure saber onde estou, se meu jeito te surpreende... A canção prosseguia em seu tom forte, firme, profundo. As janelas completavam o videoclipe. As cenas pareciam sincronizadas. Era engraçado imaginar que, naquele mesmo instante, tantos outros se comoviam através das mesmas palavras. De repente, estávamos conectados por meio das ondas de frequência modulada. O rádio tem dessas maravilhas. Talvez por isso nunca tenha sumido, mesmo na era digital.


Se um dia eu pudesse ver
Meu passado inteiro
E fizesse parar de chover
Nos primeiros erros
Meu corpo viraria sol
Minha mente viraria ar

    Eu me arrepiei nessa parte da música. Já imaginou? Voltar a fita do tempo e refazer o passado? Mudar o imutável. Seria melhor? Saberíamos o que ajeitar? Ou, quem sabe, não pioraríamos tudo? Como podemos ter certeza sobre o que foi melhor ou pior para nós? Existem erros que realmente seria bom termos oportunidade de corrigir. Mas, outros não. Como isso é impossível de mudar, resta viver com o peso da responsabilidade. Mas só chove, chove. Chove, chove...

   Minhas mãos tentavam acompanhar o ritmo da canção. Não sou baterista. Na verdade, não sou nada relacionado com o mundo da música. Não é meu forte produzir, somente ouvir e valorizar. 
   Minha parada estava chegando. Meu destino não é de ninguém. E eu não deixo os meus passos no chão... Pra onde vou e o que faço da minha vida, pouco influiu nos olhares dispersos dos passageiros. Recebi apenas um bom dia monótono do motorista. 
   Se você não entende não vê. Se não me vê, não entende... Os primeiros erros são dolorosos. Mas, podemos aprender muito deles. Errar não é sempre sinal de imperfeição, fraqueza. Os desafios também são professores que tentam mostrar que nosso horizonte ainda é muito pequeno e que existe muito mais além do que os meros olhos podem ver. Obrigado, rádio, por me dar a oportunidade de expandir minha audição.




De Alexandre Valério Ferreira


Comentários

Veja também