O pôr-do-sol e a cerca

Entardecer. Foto: autor.
  Todos os dias, eu saía as 6:30 a.m. de casa e retornava por volta de 5:30 p.m. E todo dia eu via aquele muro com arame farpado. Aquela mesma insegurança. Está difícil viver nestes dias. Em consequência do medo, estamos vivendo cercados, trancados, tentando nos proteger uns dos outros, tentando nos proteger de nós mesmos.
  Muitas vezes, ao olhar para o muro em frente de casa, reclamava dessa situação. Reclamava também do dia exaustivo, dos momentos de estresse, do trânsito insuportável, de tudo que me irritava. Claro, não é somente eu que estou incomodado. Quem não está cansado de tudo isso? Quem não se cansa de pessoas falsas, artificiais, de chefes sem caráter, de colegas invejosos, de parentes aproveitadores? Quem não tem raiva do trânsito e da insegurança? Todos nós, deveras.
  Um dia, por uma razão qualquer (talvez por não haver razão),  decidi espiar o muro do terreno que ficava em frente a minha casa. Era uma curiosidade maléfica. Queria encontrar algo errado. Queria algo com que poderia acusar o dono daquele lote. Eu não gostava dele. Quem gostava? Ninguém que eu conhecia. Subi em uma cadeira e olhei...
  Não encontrei o que procurava. Há, como eu queria encontrar uma desculpa para denunciá-lo. Mas, o que achei tinha tons de ouro e fogo. Era profundo, mas leve. Era forte, mas suave. Era distante, mas estava bem diante dos meus olhos. Suas cores eram alegrar os olhos. Parecia de outro mundo. Parecia que eu não estava naquela cidade barulhenta. Onde eu estava então? Eu estava naquela cidade barulhenta.
  Não sei por quanto tempo eu fique deslumbrando aquele instante. Talvez por horas ou dias. Eram necessários dias para repor as ideias. Que ideias? Os pensamentos sobre como eu enxergava. Se é que eu sabia enxergar. Nem todos sabem ver. Nem todos querem. Afinal, quantos milhares de pessoas viam aquele lindo pôr-do-sol e sequer lembravam do privilégio de poder observar aquele momento? Talvez bem poucas. 
  De fato, era aquela cerca de arame farpado que me cegava. O arame não cobria o sol. Era impossível, por suas pequenas dimensões. Nem mesmo poderia cobrir meus olhos. Poderia furá-los, se eu não tivesse cuidado. Mas dificilmente isso aconteceria. Mesmo assim, havia uma cerca de arame farpado, que me machucava e me cegava. Não me permitia ver a solução, ou o pôr-do-sol, ou um bom amigo, ou um belo sorriso. Decidi então cortá-la. Não foi fácil. Mas, nada que vale a pena é fácil. 



Alexandre Valério Ferreira





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