O pouco que ficou



Passou, como tudo passa. E algo em tudo que passa fica - Passa e Fica, Scracho

Dói. Sim, dói. Queria esquecer. Passar. Pular essa etapa. Tão bom se fosse eu funcionasse como um HD e que simplesmente o formatasse, deixando-o limpo, novo. Esquecer. Essa é a palavra. Tão forte, mas tão ilusória. Tão utópica, distante.
   As coisas não funcionam como queremos. Não sabemos nem se o que desejamos realmente é o que precisamos. Costumamos nos enganar. Uma psicóloga me disse certa vez que devemos aceitar com naturalidade a nossa história.
    Aceitar. Como isso pode doer às vezes. Reconhecer que não podemos simplesmente apagar nossos erros, nossa história, e fingir que nada aconteceu. Parece tão fácil. Porém, é ao mesmo tempo tão infantil fugir da dor. Quanto mais fugimos dela, mais a sentimos.
    Sim, é aceitar os erros. Reconhecer que no passado não se meche. Odiá-lo-ei, então? De nada serviria. Só aumentaria a angústia. Até porque não há mais nada a ser feito. Não tem como reescrever seu passado. Ele é sua história e, portanto, parte do seu ser.
     Porém, algo pode ser modificado: a forma como lidamos com nossas lembranças. Quando aceitamo-las, vivemos mais livres. A carga pesa menos. E o que é aceitar? É pensar que sempre vou cometer o mesmo erro? É achar que vou ser sempre traído? É entender como normal um trágico acidente? Não, não é isso.
     É, antes de mais nada, viver a realidade em pleno sentido. Reconhecer que um fato aconteceu, mas não significa necessariamente que se repetirá. Afinal, tudo muda o tempo inteiro. Nunca as circunstâncias são exatamente as mesmas. Assim, o que devemos fazer é saber o lugar dos erros e tristezas em nossas vidas. 
     Claro, eles nos trazem fortes sentimentos. Mas, porquê? Por que os interpretamos de diversas formas. Assim, podemos sim modificar a forma como analisamos nossas lembranças. Dessa forma, ela pode deixar de ser tão dolorosa e se torna de fato apenas mais um capítulo de nossas vidas.
     Quanto mais nos angustiamos com as lembranças que não somem, mais intensas elas se tornam. Afinal, estamos revivendo-as constantemente. Mais do que isso, ao tentar fugir delas, alimentamos os nossos medos. 
   O medo alimenta o medo. É como aquela história do pequeno príncipe: um senhor bebia para esquecer a vergonha que tinha de beber. Um ciclo vicioso. Uma exponencial crescente que, se deixar, vai para o infinito.
    Assim, aceitemos nossos capítulos. Todos. São partes de nós. Mas, não definem nosso futuro. São apenas isso: eventos que aconteceram. Nada mais do que isso. E precisamos de nossas lembranças para definir nosso caminho e compreender o que nós somos. 
    Aceitar não é concordar. Aceitar é reconhecer a realidade tal qual como ela é. Quando agimos assim, a dor pode sumir. Porque o que dói mesmo não é o passado, mas a forma como ele afeta nosso presente. Pois, afinal, o passado não existe. É só memória.


De Alexandre Valério Ferreira





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