Catando Piolho

Foto: https://www.rijksmuseum.nl/en/search/objects?s=achronologic&p=3&ps=12&f.publish.apiCollection=XL100&imgonly=True&ii=9#/SK-C-149,32

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RUTH foi para a escola sozinha. Retornou, entretanto, com diversas companhias. Não eram seus amiguinhos ou amiguinhas da turma. Ainda que assim como estes ficassem o tempo todo na cabeça dela, não podiam ser considerados amigos. Ela estava atacada de piolhos.
   Parecia algo repentino. Mas, nem sempre era. Talvez demorasse um certo tempo até que eles se tornassem algo incômodo a ponto de ocupar-lhe todo o tempo coçando o couro cabeludo. Joaquina, sua mãe, não tardou em fazer alguma coisa. 
   Levou-a para o batente da entrada de casa e a garota ficou sentada de costas para ela, entre suas pernas. A partir daí, iniciou-se a temporada de caçada aos piolhos. Haviam alguns que eram fáceis de serem capturados. Outros, nem tanto. 
   Quando a mãe conseguia retirar algum, insistia em exibir orgulhosamente para a filha. A garota não reagia com tanto entusiasmo. Daí, ela os esmagava. Dizia para a jovem que só morriam se fossem estourados. O pequeno barulho do exoesqueleto daquele inseto nocivo comprovava seu fim.
   Ruth apenas olhava e retornava à posição anterior: de cabeça abaixada. Aquele estado apenas acentuava a vergonha que ela sentia diante dos que pela rua passavam. Não havia quem não olhasse para a cena. Ainda que todos já tenham feito algo similar, insistia em dar risadas ou fazer comentários sobre aquela situação.
  Por fim, a menina tomava banho, passava shampoo e enxugava os cabelos. Joaquina não aceitava ter uma filha piolhenta. Até porque se não fizesse nada, em pouco tempo toda a família estaria na mesma situação. Além do mais, piolho é sinal de pouca higiene e ela não suportaria ver sua filha passar vergonha na escola.
   A mãe sabia que os piolhos vieram de algum colega da filha na escola. Alertou ela para ser mais precavida, ou, se não, teria de ficar mais algumas horas encurvada no batente da calçada. Ruth não aguentava mais ter seu couro cabeludo como lar de piolhos e unhas de sua mãe. Dessa vez, evitaria ficar próximo de certas pessoas. Talvez, pudesse até fazer piadas ou criar apelidos para esses colegas. Um pequeno sorriso escapou-lhe. Estava ansiosa pelo dia seguinte.


De Alexandre Valério Ferreira




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