De mau humor

Woman with Chignon, Pablo Picasso. Fonte: http://uploads7.wikipaintings.org/images/pablo-picasso/woman-with-chignon-1901.jpg


De Alexandre Valério Ferreira  

  
  Era inegável que ela estava de mau humor. Seu olhar frio, áspero, pontiagudo, transparecia toda a fúria contida que enfrentaríamos ao longo do dia. Não sei se eu devia sentir raiva ou pena. 
  Eu já esperava ataques hostis. Palavras rudes, o maldito tom sarcástico, aquela sinceridade massacrante. Por que tinha que ser hoje? Eu sabia que isso não ia dar certo, pois na maioria das vezes, eu estava de bom humor e conseguia relevar suas brutalidades. Porém, hoje a história não terminaria assim.
  Sou terrível no que se refere a lidar com pessoas sarcásticas. Não sei reagir bem. Fico mudo. Mas, quando estou estressado, pareço me tornar uma outra pessoa. O desejo de vingança por essa revolta injustificada crescia a cada surra que eu levava dela.
  Tudo era motivo de reclamação. Não havia nem um átomo que ela desapercebesse. Eu estava sendo esganado. Não fisicamente, claro (apesar de não duvidar da capacidade dela de realizar tamanha atrocidade). Mas ela estava me massacrando psicologicamente.
  Todos na empresa estavam percebendo a hostilidade do clima. E eu já estava perdendo as rédeas. Eu imaginava o resultado. Já era previsível. Demissão. Eu seria o grande perdedor. Ela sabia. 
  Você sabe como é? Quando as pessoas reclamam muito ou dizem que vamos errar em algo, as coisas tendem a ocorrer assim. É irritante, mas é verdade. E foi o que aconteceu. Por que ela foi reclamar da ausência de backups dos arquivos do nosso setor?! Um bendito de uma pane causou um dano irremediável. Perdemos milhares de dados.
  Não resisti e virei-me para ela com toda a raiva do mundo. Falei o que não devia. Fui o que não era. Agi como não queria. Perdi o que me supria. Tudo culpa de uma vingança inexistente. Tudo para mostrar para os outros que não sou passivo, que não sou um rato.
  Como se não bastasse a iminente demissão, ainda fiz ela chorar. Disseram que ela perdera sua mãe a dois dias. Sim, agora estou sofrendo de consciência pesada também. É como dizem: você é dono do que cala e escravo do que fala. Estou escravizado à sarjeta agora. Cadê os classificados?





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