O Porta-documentos

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DONA MEIRE PROCURAVA por sua Bíblia. O item sagrado, a Palavra de Deus, habitava quietamente na estante da sala de estar. Era enorme. Pesava mais de 1 kg. Ela a comprara com muito sacrifício a mais de 6 anos. O livro sagrado era motivo de ostentação e de fé na humilde casa de quatro cômodos. 
   Apesar de um livro (mesmo um sagrado) ser utilizado para ser lido, Meire a caçava por outra razão. Não procurava um texto de consolo. Na verdade, dentro da sua Bíblia encontrava-se o endereço da sua tia-avó. Ela o havia anotado ano passado, quando da visita de sua parenta, e o guardara na Bíblia. 
   Ela segura o enorme livro com as duas mãos. Decide sentar-se para ver se acha o item desejado. O trabalho não é nada fácil, pois a Bíblia não era repositório apenas daquele endereço, mas de muitos outros itens. Nela haviam documentos, como o cartão do SUS, além de fotografias antigas, folhetos religiosos e panfletos da companhia de gás. Até a embalagem de um bombom que ela achara atraente estava escondida no interior do livro de Oséias.
   Meire era de boa memória. Sabia que a documentação da sua casa estava no capítulo 13 de Mateus. Também lembrava que a foto de seu filho mais velho escondia-se entre os capítulos 20 e 21 de Apocalipse. Mas, o bendito endereço de sua tia-avó (logo a mais religiosa da família) não estava em lugar nenhum. Ela imaginava que estivesse no capítulo 3 de 1º dos Reis, mas só havia um folheto.
   Enfim, encontrou o papel! Estava no capítulo 48 de Gênesis, misturado com um cartão que recebera de seu filho. Ela fecha a Bíblia e a coloca de volta na estante. Aperta-a um pouco, visto que, devido a tantos papeis, o livro mal conseguia ser fechado. Daí, ela decide deixá-la aberta no Salmo 91. 
   A Bíblia de dona Meire nunca fora lida. Ou, se fora, aconteceu de forma aleatória, na busca de algum texto bonito nos Salmos. Talvez o livro fosse mais amuleto do que livro para sua família. Acreditavam, provavelmente, que ao colocar objetos em seu interior, seriam abençoados por Deus ou por Ele protegidos. Além do mais, ter o livro sagrado era mais um status de um tipo de religiosidade, mesmo que, de fato, ela não existisse naquele lar. 



De Alexandre Valério Ferreira


 

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