A gente só conhece bem as coisas que cativou
De Alexandre Valério Ferreira
Eis o meu segredo: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. Palavras da raposa. O que era antes anônimo, fora revelado ao curioso habitante do asteroide B612, a tantos milhares de anos luz daqui, em uma galáxia desconhecida.
Demorei um tempo para entender o sentido dessas palavras. O segredo - ainda que exposto - continuava um enigma. Só se vê bem com o coração. O que é o coração? As mais profundas emoções? A essência dos sentimentos? A raiz do amor, da amizade, da bondade, a matriz onde libera a força que impulsiona nossas atitudes?
Mas, não seria tolice se guiar pelo coração? Mas não era acompanhar cegamente desejos o que a raposa queria dizer. Ela tentou explicar que compreender o sentido profundo, o âmago das coisas, seria necessário sentir.
Isso me lembrou um dos planetas visitados pelo Pequeno Príncipe. Havia um contador que vivia a calcular o número de estrelas no universo e, quando terminava, repetia o procedimento. Dizia que eram todas dele e da mesma tarefa vivia todos seus dias. Viver, palavra difícil de ser compreendida. Será que aquela viva de números era, de fato, viver?
Não somos apenas mecanismos complexos a base de carbono. Somos seres pensantes. E pensar também é sentir. Não apenas se emocionar, mas sentir as coisas. Tocá-las além do tato. Vivenciá-las. Estar em simbiose com o universo ao nosso redor. Só se vê bem com o coração.
A foto do início do artigo é uma boa mostra do que pretendo dizer. Duas amigas correm alegremente em uma rua durante a chuva. Já tiraram as sandálias. Aceitaram a chuva e a chuva as aceitou. Mais do que isso, sentem-na, capturam sua essência. Vivenciam no instante cada gota que se acumula e corre pela sarjeta.
Estão de mãos dadas. Devem ser amigas. Talvez irmãs. Por que as mãos? Para sentir. Elas silenciosas dizem "eu estou do lado de você. Vamos seguir essa juntas". Cada aperto é um sinalizador da emoção do instante. Os personagens ao redor ficam surpresos com as garotas molhadas. Não compreendem o motivo da alegria.
Estes vivenciam apenas a realidade fria e crua que se reflete em suas retinas. Não conduzem um pensamento além do que se vê. Resignam-se apenas com uma captação do espectro de cores e nada mais. O essencial é invisível aos olhos.
Além disso, os estranhos não conseguem compreender as sutilezas da amizade das duas garotas. A cumplicidade diante da brincadeira. O afeto. Só um amigo para (re)conhecer outro. E o que é um amigo? É aquele que cativamos. A gente só conhece bem as coisas que cativou.
É preciso um olhar mais apurado. Uma visão mais do que a física. Uma compreensão além da matemática. É preciso sentir cada detalhe. Das sutilezas que se faz o singular. Somos especiais pelos detalhes. Todas as praias são, em essência, a mesma coisa: areia, ondas, sol. Mas não existe duas delas com o mesmo número de grãos de areia.
Também uma praia pode ser um paraíso, dependendo de quem nos acompanha. Ou pode ser o maior dos tédios, caso estejamos entediados. Tudo depende de nosso estado íntimo, de como está nossa mente e nosso coração. Viver é pensarsentir. Somos os dois ao mesmo tempo.
Foi o tempo que dedicaste a tua rosa que a fez tão importante. Os sentimentos não surgem do nada. Não se compra o amor nem afetos de verdade. É preciso cultivar, é preciso dedicação, empenho, zelo. Só assim alcançamos a essência. E, ao chegar nesse patamar, vivemos uma vida com maior sentido. Nem todos sabem viver.
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