Era uma vez um menino

Por Alexandre Valério Ferreira


ERA UMA VEZ um menino que morava acolá. Travesso, sorridente, cheio de energia, era como todos os outros que por aquelas terras viviam. Porém, havia algo que o incomodava, uma circunstância pela qual ele vivia que sempre o deixava desanimado.
   Da televisão, conhecia um mundo diferente do seu. Verde, florido, vivo, orgânico, aberto, oxigenado. Enquanto assistia "Planeta Terra" na TV Cultura, seu corpo sentia o ar fresco, a brisa livre de poluição, as nuances do verde, o céu limpo de fios elétricos, o chão destrancado do concreto armado. Podia não estar em corpo lá, mas sua mente viajava das savanas africanas às montanhas do Himalaia.
   Infelizmente, a realidade sempre estourava seu balão de sonhos e fantasias. E ele caia no concreto armado que transcorria como um rio por entre vielas, ruas e edifícios. Por todos os lados, casas de alvenaria, madeira ou papelão, habitações sem vida, mortas em si mesmo. Sem cores e sem fantasias. Nelas ninguém vivia, apenas sobreviviam nesse mundo hostil.
   Como ele, muitos socorriam-se nas fantasias. Os programas de televisão eram a melhor distração perante uma realidade que poucos sabiam exatamente como lidar ou tinha esperanças de mudança. O concreto, armado de indiferença e preconceitos, isolava os seres humanos.
   Em 8 anos de existência nesse universo, o menino nunca vira o mar, nunca tocara numa vaca, nem sequer escutara o cacarejá de um galo ao amanhecer. No máximo, a natureza lhe viera na forma de incômodos grilos, ratos, libélulas e outros insetos. Os gatos e cachorros eram o reencontro máximo que desenvolvia com o afago da natureza.
   Mas ele queria mudar. Na verdade, queria se mudar. Sair da muvuca urbana, dessa loucura cinza, indiferente, sem vida e sem amor. Não existe amor em SP, já sabiamente cantava Criolo. A cidade parecia ter o dom de nos tornar um tanto indiferentes. 
   Talvez pela correria, pela velocidade dos acontecimentos que não nos davam tempo sedimentar os sentimentos e as relações. Mesmo ter boa educação parecia, por vezes, inviável. Afinal, como dizer bom dia para todo mundo, pois são tantos que por nós encontramos. É preciso ser seletivo, o que é complicado de se aprender, às vezes.
   Entretanto, aconteceu que um dia, naqueles que ocorre uma inversão de tudo no universo, o garoto virou homem e saiu daquele lugar. Levou consigo os pais, já idosos, para outro canto. Escaparam para uma cidadezinha não tão distante. Porém, mais perto da natureza do que dos homens. 
   Não esperava encontrar a paz profunda e final. Já era bem ciente de que ela vinha mais de dentro para fora do que o inverso. Queria apenas cheirar o verde com mais frequência. Clarear a vista sem a interferência de prédios e sobrados. Sentir-se mais próximo de Deus e, em consequência, mais entendido de si mesmo. Esquecer por alguns momentos da correria que nos é imposta e da qual aceitamos e alimentamos inconscientemente (ou não).
   Gostava de ler Walden (ou a Vida nos Bosques). H. D. Thoreau encontrava uma alegria sem igual no distanciamento da vida urbana, mesmo na época em que vivia. O menino homem amava uma passagem do livro que dizia assim: "Só quando nos perdemos, em outras palavras, só quando perdemos o mundo, é que começamos a nos encontrar, entendemos onde estamos e compreendemos a infinita extensão de nossas relações".