O Incrível Caso da Garota que não Gostava de Fotos

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Gisele não gostava de aparecer nas fotos. Por mais que seus amigos pedissem (e insistissem), ela raramente concordava. Quando cedia e aparecia nas fotos, ou era com as mãos cobrindo o rosto ou com os cabelos que, seguindo a ordem da gravidade, escondiam os olhos daquela garota cabisbaixa.
   Nas redes sociais, fotos suas não havia; apenas desenhos e frases profundas. Selfies? Nunca postara nenhum. Odiava fotos escondidas. Quem tentava, sofria duras retaliações e até mesmo era bloqueado do seu perfil do Facebook.
   Todos, evidentemente, questionava sua aversão às fotos. Teorias e mais teorias foram desenvolvidas. Boa parte das pessoas achava Gisele esnobe e que não curtia as amizades da região. Outros, imaginavam que ela um transtorno e baixíssima autoestima. Havia ainda os que pensavam que ela considerasse as fotos uma reflexo da sociedade narcisista.
   Entretanto, Gisele tinha uma vida fotográfica dupla, pois em seu quarto haviam centenas de fotos impressas de selfies. De frente para o espelho, em alguma viagem ou no transporte público, todas com sorrisos, olhares de conquista ou sérios. Estavam guardados em diversos cantos, mas nunca eram expostos a ninguém. 
  Ela nunca gostou do formato do seu nariz. Achava seus olhos grandes demais. Queria ganhar peso. Queria emagrecer. Queria ser outra pessoa que não a Gisele-que-odeia-fotos. Eram tantos "querer" e "não querer", mas tão poucas certezas. 
   Um dia a vida lhe forçou a gostar de fotos. Uma amiga sua de longa data falecera. Diversos amigos postaram fotos que tinham com ela. Alguns as levaram a fim de prestar homenagens no funeral; um presente aos pais da falecida. 
   Gisele, por outro lado, não tinha nenhuma. Sim, nenhuma lembrança imagética com sua amiga. Sem provas de um abraço, de uma viagem juntas ou de um lanche com a amiga (apesar de terem ocorrido vários desses momentos). Nada.
   As fotos não podem trazer os mortos de volta. Não é esse o papel delas. Também não deve ser um fim em si. Elas têm um objetivo: congelar o tempo. É como uma bengala para a memória. Ajuda a lembrar. 
  Existem sim aqueles indivíduos narcisistas, individualistas, exibicionistas. Postam mais e mais fotos como forma de ganhar atenção, uma carência mascarada por um falso orgulho. 
   Porém, as fotos são memórias de vida. São quadros congelados de etapas, de experiências, de momentos únicos. Também imprimem instantes que nossos olhos não conseguem captar. Para isso, não tem nada de ruim em ser fotografado.
   Ninguém lembra mais da desculpa que Gisele deu por não ter as fotos. Já não fazia mais diferença alguma. Entretanto, todos sabem que ela mudou (mas não tanto). Sim, aqui e acolá, ela aparece em algum selfie da vida. Mas aviso de antemão que não deve insistir demais. Ela ainda é muito teimosa. 


De Alexandre Valério Ferreira


 

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