A Dinâmica das Coisas

"Você não pode pisar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras, vão fluir" (Heráclito de Éfeso)

SEM dúvida nenhuma, aceitar a mudança é uma das mais difíceis tarefas humanas. Gostamos do constante, do regular; em outras palavras, do que podemos prever. Temos uma vontade intrínseca de evitar riscos, afinal, eles podem nos levar à dor e à decepção. Melhor é ficar dentro da nossa zona de conforto.

   Por isso, não sinta-se tão mal por ter medo. É natural e, em muitos aspectos, lógico e necessário. Ainda assim, é preciso que aceitemos as coisas tais quais elas são, não no sentido de sermos passivos e esperarmos a morte, mas reconhecer a realidade e aprender a lidar com ela. 

   Uma dessas coisas é o tempo e a dinâmica da vida. O mote de Heráclito acima transcrito é uma máxima dessa ideia. Tudo está mudando. Indo duas vezes no rio, nunca será o mesmo rio e nem a mesma pessoa. As águas se moveram. As moléculas que nos tocam não são as mesmas de antes, nem mesmo as ondulações do rio, os microorganismos que nele habitam ou a quantidade de sais minerais.

   Também não somos os mesmos de antes, tanto física como mentalmente. A segunda visita ao rio é carregado duma experiência anterior armazenada no cérebro. Sabemos onde tem pedras, onde é fundo e qual a temperatura do local. A pele que toco a água não é a mesma. Esta é trocada completamente no intervalo de um mês. Não só ela, mas tantas outras no corpo. Envelhecemos entre uma visita e outra, mesmo que tenha demorado alguns poucos instantes.

   Sim, não é mais a mesma coisa. A linha do tempo segue em apenas uma direção. A lei da entropia nos obriga a aceitar que o estado anterior é impossível de ser refeito. É assim que o universo funciona, querendo ou não. Mas, lembre-se que é devido a essa constante modificação que existimos.

   A rejeição da realidade dinâmica do universo é, talvez, a raiz das angústias de diversas pessoas. Alguns insistem em manter as coisas como eram antes, apesar, de elas nunca poderem existir novamente. 

   Um exemplo é o casamento. Se não aceitarmos que o amor é tão dinâmico como uma chama, poderemos enfraquecer o relacionamento. É necessário entender que um amor conquistado tem que ser constantemente alimentado para continuar existindo. Não é algo que se tem e ponto final. Não é um objeto. Aliás, até objetos como casas e pontes se modificam. Precisam de manutenção e novas instalações para continuarem seguros. 

   Como já dizia Raul Seixas, somos uma metamorfose ambulante. Estamos mudando a todo instante, desde nossas células que se renovam até as sinapses que são criadas ou modificadas com o aprendizado. Reconhecer a constância da mudança nos ajuda a avançar.

   Evidentemente, nem sempre é fácil aceitar a transformação. Nem todas são boas. Mas, elas estão ai, querendo reconhecê-las ou não. Fugir é impossível. Sempre vai aparecer outra para nos atormentar. Então, o melhor é aceitar que elas existem e que estão ocorrendo. Mas, também ter a maturidade de enxergar que nem sempre são ruins e que podemos lidar com elas. 

   O rio está sempre mudando. É sempre novo. Isso é bom: evita o tédio. Se tudo fosse igual, não reconheceríamos o deslocar do tempo. Ele simplesmente não existiria. Portanto, é preciso ter mudança. As árvores tem que absorver gás carbônico e liberar oxigênio. Nunca é exatamente o mesmo, ainda assim, é essencial para nossa existência. 

  São nas mudanças que aparecem novas oportunidades, novos momentos de mostrarmos nosso amor (ou de fortalecê-lo), a chance de conhecer novas amizades, novos lugares, de ver uma flor desabrochar ou de tirar aquela foto de um movimento único de um pássaro. A vida é mudança. Então, mudemos também.

De Alexandre Valério Ferreira