Diário do Transformador

Transformador. Foto: autor.
  Tudo começou de repente. Eles pararam, olharam para mim. Seus movimentos eram rápidos. Pareciam ser hiperativos. Estranhei. Mal sabia eu que eles estavam me analisando. Não, não eram da concessionária de energia elétrica. Não eram eletricistas ou engenheiros. Eram dois pardais. Eles estavam a procura de um bom local para um ninho. E me escolheram!
  Eu sou um transformador de potência. Em minhas entradas, encontram-se cabos com tensão elétrica de 13.800 volts. E eu forneço na saída tensões de 380/220 volts para as residências. Trabalho numa área urbana. 
  Se não fosse pelos transformadores, não poderíamos converter as tensões elétricas. Sou muito importante para os humanos. Também sou perigoso. As correntes elétricas que passam por mim são suficientes para matar qualquer ser vivo, eu acho.
  Mesmo assim, os pardais me viram como casa. De início, pensei que não sobreviriam, que levariam choque ou seriam afetados pelo campo eletromagnético criado ao redor dos fios elétricos. Mas... não, eles ficaram.
  Eles fizeram ninhos nas aletas que me resfriam. Demorou um pouco para construírem o lar deles.  Fizeram muitas viagens até completarem o ninho. Eu não queria eles aqui. Achava aquilo inconveniente. Dava a impressão que eu estava abandonado.
  Porém, a medida que o tempo foi passando, fui me apegando a eles. Antes, meus dias se resumiam a análise das variações de tensão, das correntes harmônicas  e dos aumentos de carga elétrica. Agora, havia uma família sob minha guarda. Eles não me viam apenas como um equipamento. Eles me viam como um lar!
  Eu não sou um lar para os humanos. Eu sou apenas um ferramenta descartável. Duro apenas algumas décadas. Depois, sou substituído. Com aqueles pardais, aprendi o que é ter família. Afinal, eu também fazia parte dela, não é? 
  Vi os primeiros ovos eclodirem. Protegi eles da chuva. Meus para-raios resguardavam eles de descargas elétricas. Presenciei os primeiros ovos dos primeiros filhotes. De fato, eles me transformaram em família, em lar e companheiro.


Alexandre Valério Ferreira






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