A Porta e Suas Dimensões
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PORTAIS costumam aparecer em filmes de ficção científica. Eles são o elo entre mundos distintos, universos paralelos ou tempos diversos. Através deles é possível se deslocar no espaço-tempo com grande facilidade. Não é para menos que costumam ser tão procurados nessas narrativas.
As portas de nossas casas não deixam de ter grande similaridade com os portais multidimensionais. Elas interligam mundos distintos. De um lado está nossa região de fachada, ou seja, a forma como os outros veem nosso mundo, nosso lar, nossa vida, nossa cultura. Do outro, está como realmente é nosso mundo e como nos comportamos nos bastidores.
As portas de nossas casas não deixam de ter grande similaridade com os portais multidimensionais. Elas interligam mundos distintos. De um lado está nossa região de fachada, ou seja, a forma como os outros veem nosso mundo, nosso lar, nossa vida, nossa cultura. Do outro, está como realmente é nosso mundo e como nos comportamos nos bastidores.
Uma casa pode dar impressão de ser um belo lar, onde uma família feliz, harmoniosa e bem sucedida reside. Atravessando a porta, porém, podemos pegar os atores de surpresa e descobrirmos que na verdade o chefe da casa trai a esposa, que eles vivem brigando, os filhos usam drogas e são mimados em excesso. Dois mundos, dois tempos.
A porta separa e une diferentes mundos. Dentro de um mercado, algumas brincadeiras são permitidas, piadas são contadas sem medo entre os fruteiros. Mas, ao sair dos bastidores e irem para a rua, mudam de comportamento. Já são outras pessoas e o convívio social exige que não se façam certos tipos de brincadeiras em ambientes públicos e abertos.
O mundo é um teatro. Pelo menos foi com essa analogia que o famoso sociólogo canadense Erving Goffman explica o comportamento do eu na vida cotidiana. Temos zonas de fachada, onde encenamos comportamentos e ideologias para agradar, ou desagradar, uma determinada plateia. Por trás das cortinas, está a zona dos bastidores, onde estamos despojados dessa carga e nos sentimos mais a vontade.
A questão que vem é em qual dos casos somos realmente nós mesmos. Para mim, é uma pergunta difícil de responder. Talvez todas as regiões representem nosso eu de certa forma. Quando saímos de casa e seguimos as normas de etiqueta ensinadas por nossos pais, mesmo que a base de muitos castigos, não deixamos de expressar o que realmente somos. Talvez nosso comportamento revele como é a vida por trás das portas de nossa casa (ou, quem sabe, das janelas de nossos olhos).
As portas são mais do que portas, então. Também são um risco. Se elas nos permitem sair e encenar para o mundo exterior, também podem nos condenar, ao permitir que alguém penetre nosso refúgio e descubra como somos fora da vista dos estranhos. Talvez fiquem muito decepcionados. Afinal, como se sentiriam ao ver um famoso apresentador de TV que trata de ajudar famílias tendo escravos em casa ou batendo na própria esposa?
As portas são como as janelas: dão visão do que há lá dentro ou lá fora. Entretanto, são como os portais que são criados para o transito entre dois ambientes distintos. No lado de fora, vivemos num mundo moderno do século XXI, onde o racismo é condenado. Por trás das portas, entretanto, os moradores fazem piadas preconceituosas e expressões de ódio contra os negros, como se fossem membros da casa grande no século XVIII.
Talvez fosse melhor que as portas não expressassem risco nenhum. Seria bom se, por ventura, alguém saísse da plateia e adentrasse em nossos bastidores, encontrasse algo diferente, mas agradável. Em vez de se decepcionar com o que há por trás da máscara, se surpreende-se com o que achasse.
De Alexandre Valério Ferreira
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