Diário de um grilo

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De Alexandre Valério Ferreira

   Ah! O amor! Ai! O amor... Que coisa maravilhosa é o amor! Sentimento de querer bem a alguém e a esperança dolorosa pela reciprocidade. O amor pode machucar, mas nada se compara a ele. Acho que estou romântico hoje.
  Preciso achar alguém. Mas, ainda me sinto tão sem valor. Não sou nada além de um humilde grilo recém-formado. Mal comecei a afinar minhas asas. Os outros camaradas são veteranos nessa guerra pelo amor. Que chances tenho eu?
  Mas, não vou desistir. Desistir não está no lema dos animais. Lutamos até o fim.  E é isso o que eu vou fazer! Tenho que ir para um ponto com boa acústica. Mas, onde?! Misericórdia, preciso de ajuda! O que eu faço?
  Ah! Achei! É o lugar perfeito. Nada melhor que um guarda-roupas dos humanos para amplificar meu belo canto (não sou muito humilde). Sim, sim, agora eu serei ouvido por todas. É a minha chance. Talvez, a única de sair da solidão de minha tão efêmera vida! Viu só? Estou poético. É o amor. O amor estar no ar! 
  Estranho... Algo não me parece normal aqui. Por que nenhum outro grilo veio para cá? Afinal, é evidente que aqui é o melhor dos lugares. Certamente serei ouvido em toda a casa ou vizinhança! Será que não deram crédito para este ponto? Ou serei eu o tolo que tenho uma vã esperança?
  Não há mais tempo para se refletir. Viver não é refletir, viver é fazer. Vou começar a afinar minhas asas. Tocarei o mais alto que posso. Mesmo com a acústica excelente, preciso destacar meu som único sobre todos os outros oponentes. É a guerra do amor.
  Depois de algumas horas tocando, ouço um movimento. Seria o meu futuro amor? Estou ansioso! Espero que eu esteja bonito. Essa vida é uma verdadeira luta. Nem de longe se parece com os filmes humanos.
  De repente, ouço um forte som. Um estrondo! O mundo começa a ruir. Meu corpo começa a sentir algo estranho... o que será...? Ai! Não!!! Humanos com seus gases da morte! Alguém me acuda! Alguém me acuda!
  Um objeto pesado quase me alcança. É uma chinela humana. Corro o máximo que posso. Porém, lembro que a tática não é correr, mas sim esconder-se. Atrasar a procura. Dessa forma, temos mais tempo para escapar. Entro em uma das gavetas. Assim, quando forem jogar as roupas, eu escapo! 
  Porém, encontrei lá dentro algo único. Era aquela que eu tanto procurava. O que ela fazia aqui? Penso a respeito. Ela estava desmaiada. Espere... o que ela está fazendo aqui?! Não quero que ela morra! Não mesmo. Minha falta de esperança virou motivação.
 Como o ser humano era um pouco lerdo, decidi ajudá-lo. Eu apareci por alguns instantes. Fiz meu canto lamuriante. Ele veio com muita fúria. Não entendo esse drama. Afinal, que problema causo? Apenas canto por umas 6 horas durante a madrugada. Que isso tem de mais? Pior são eles!
 Quando abre a gaveta, loucamente começa a tirar todos as roupas. Eu coloquei minha querida em um bolso de uma camisa. Ele a arremessa. Ela está salva. Agora.. e quanto a mim? Ele começa a lançar veneno. Será este meu fim?! Logo agora! Não!
  Odeio as baratas. Acho elas nojentas. E fico enfurecido quando alguém me confunde com essas criaturas do lixo. Por isso, não quero elas perto de mim. Assim, uma barata veio em meu socorro. Ela conhecia todos os buracos possíveis naquele móvel. Desmaio.
  Quando acordo, figuras marrons e pretas me observam. Estou meio zonzo, mas estou bem. Fui salvo por uma barata... Odeio elas. Nenhum grilo apareceu. Falando em grilos... cadê ela? Onde ela está? Ficou muito ansioso. 
  De repente, ela aparece. Não dá para acreditar. Nem parece real. Seria mais um daqueles sonhos de verão? Dessa vez, não. De repente, a vida não é como os filmes humanos. Talvez, de fato, seja bem melhor.



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