Diário do urubu

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De Alexandre Valério Ferreira

Caro diário,

  Hoje é meu primeiro dia no lixão dos humanos. Mamãe disse que é uma fonte rica em comida. Tem alimento para todos. Não precisa disputar com ninguém. Porém, ela disse que para se dar bem, é necessário ser esperto.

  Ela nos ensinou as técnicas. Decidi anotá-las para não correr o risco de esquecer. Sabe como é, né? Então, estou escrevendo aqui as lições que ela nos deu. São excelentes e acredito que minha mãe é a melhor do mundo.

 Primeiro. Ela disse que temos que acompanhar os caminhões da linha 3, 7, 10 e 19. Ela nos disse que os humanos são separados em coisas chamadas castas ou algo do tipo. Parece que quanto mais papel eles possuem, mais poder sobre os outros eles exercem. Nos vilarejos dos humanos favorecidos, sempre sobra mais comida. Você sabe, né? Quanto mais opção temos, menos as valorizamos.

  Segundo. Ela nos disse para não comer umas massas que vem em caixas de papelão. Ela descobriu que quanto mais os humanos a comem, mais doentes ficam. Se faz mal para eles, também deve fazer mal para nós. Minha mãe é nota 10, não acha?

  Terceiro. Temos ter cuidado com os humanos do lixão. Eles são esperto e estão tão famintos como nós. Sentimos pena deles, então, deixamos algumas coisas. Mas, é a lei da sobrevivência: cada um defende o seu grupo. E o grupo deles não é unido como o nosso. E eles podem querer nos comer também. Então, ficamos alerta quando eles estão por perto.

  Quarto. Não seja guloso. Na selva, temos que comer o máximo que podemos, pois nunca se sabe quando outra refeição vai aparecer. Mas, aqui é diferente. Os humanos são criaturas sujas. Sempre desperdiçam a comida. É incrível o que podemos encontrar no lixão! Então, sempre vai ter comida de sobra!

  Creio que com essas lições, eu obterei bons resultados. Como é bom ter uma mãe preocupada e atenciosa como a minha! Agora, vou comer mais um pedaço de coxa de frango. Esta eu achei no último descarregamento. Quase que uma humana o pegava. Mas, eu fui mais esperto. Minha mãe quase morre de orgulho.